São Paulo, sábado, 31 de agosto de 2002

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ÁLCOOL

Acidente causado por motorista bêbado deve ser também atribuído ao estabelecimento onde ele bebeu, diz proposta

Conferência sugere responsabilizar bares

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A RECIFE

A responsabilidade pelo acidente provocado por um motorista embriagado também deve ser atribuída ao dono do bar ou restaurante onde essa pessoa bebeu em excesso. Motoristas iniciantes perderão a carteira e deverão retornar ao curso teórico se no período experimental de um ano forem surpreendidos com algum nível de álcool no sangue.
As duas sugestões constam da lista de propostas finais da 1ª Conferência Internacional sobre Consumo de Álcool e Redução de Danos, que terminou ontem em Recife. As propostas serão encaminhadas aos presidenciáveis.
O conceito de redução de danos, no caso do álcool, consiste em adotar práticas que diminuam os riscos da bebida, já que boa parte da população bebe e continuará bebendo.
Entre as propostas está a de um trabalho conjunto entre os sistemas de saúde e de trânsito e a Justiça, de forma que as notificações incluam o nível de álcool no sangue, as características da via e do acidente e o local onde a pessoa bebeu. Isso permitiria responsabilizar também o dono do bar pelo acidente. A Lei de Contravenções Penais proíbe que se venda álcool a quem já está embriagado.
De acordo com estudos nacionais, entre 60% e 80% dos acidentes de trânsito tem alguma relação com álcool. Cerca de 31 mil brasileiros morrem por ano no trânsito das cidades e nas rodovias.
Embora o álcool ao volante deixe milhares de pessoas incapacitadas e mate em seis anos o que a epidemia de Aids matou em 20, a questão ainda não recebeu a devida atenção do governo, segundo participantes do evento.
O programa nacional de Aids, por exemplo, tem mais de cem técnicos e grande visibilidade, enquanto o "projeto de redução da morbi-mortalidade por acidentes de trânsito" do Ministério da Saúde tem seis funcionários. "A preocupação com o tema é recente", diz Eugênia Silveira Rodrigues, consultora do projeto.
Nas propostas da conferência de Recife também está a oferta de transporte público no período noturno -quando acontecem mais acidentes-, a inclusão da educação para o trânsito nas escolas e a transformação dos postos de gasolina de pontos de venda de álcool em pontos de informação e prevenção.
Em Salvador, escolas públicas municipais vão adotar um posto de combustível mais próximo, e um grupo de alunos ficará ali de quinta a sábado distribuindo material informativo aos motoristas.
"Esse trabalho já vem sendo feito por estudantes de psicologia em alguns postos", diz Antonio Nery Filho, da Universidade Federal da Bahia e implementador do projeto.
Nery é autor de uma pesquisa que constatou que mesmo um primeiro acidente não muda o comportamento das pessoas.
Entre aquelas que estavam alcoolizadas na praia e que voltariam dirigindo, 25% já tinham sofrido um primeiro acidente sob efeito do álcool.
Entre outras propostas da conferência está uma atenção especial às populações indígenas, onde o consumo de cachaça e mesmo de álcool de limpeza está destruindo a cultura e a resistência das tribos.
Atenção especial também foi dada a mulheres, crianças e adolescentes, vítimas do abuso de álcool em muitas situações. A relação entre álcool e violência doméstica e abuso sexual foi relatada em muitos dos trabalhos.
Outra das idéias apresentadas no congresso foi as "festas virtuais", espécie de jogos desenvolvidos nos EUA e na Nova Zelândia em que o jovem, pela internet, participa de uma festa, escolhe a música, a bebida, e vai sendo informado do nível de álcool e dos riscos a que está sujeito.
O Hospital Albert Einstein criou há dois anos uma "festa virtual", que começou com 60 jovens e hoje "tem cerca de 900 acessos diários", disse Beatriz Carlini Marlatt, que participou da criação do site (www.einstein.br/ alcooledrogas).


Aureliano Biancarelli viajou a convite da Conferência Internacional sobre Consumo de Álcool e Redução de Danos


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