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ENTREVISTA DA 2ª - MASSIMO PAVARINI
Punir mais só piora crime e agrava a insegurança
Castigo mais duro, herança dos EUA de Reagan, transforma criminoso leve em profissional, diz professor de Bolonha
"É UM PECADO , uma ideia louca" a noção de que penas maiores de prisão
aumentem a segurança. "Acontece o
contrário. Penas maiores produzem
mais insegurança", diz o italiano Massimo Pavarini,
62, professor da Universidade de Bolonha e considerado um dos maiores penalistas da Europa. Ele dá um
exemplo: "Quanto mais se castiga um criminoso leve,
mais profissional ele será quando voltar ao crime".
Eduardo Knapp/Folha Imagem
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O pesquisador Massimo Pavarini, em São Paulo
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Ligado ao pensamento de esquerda, Massimo Pavarini diz
que essa ideia de punir mais teve como origem os EUA de Ronald Reagan, nos anos 80, e difundiu-se pelo mundo "como
uma doença". A eleição de Barack Obama à Presidência dos
EUA pode ser um sinal de que
esse ideário se esgotou, acredita. Pavarini esteve em São Paulo na última semana para participar do congresso do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais), onde deu
a seguinte entrevista:
FOLHA - O sr. diz que o direito penal está em crise porque o discurso
pró-punição está desacreditado e a
ideia de ressocialização não funciona. O que fazer?
MASSIMO PAVARINI - O cárcere
parecia um invento bom no final de 1700, quando foi criado,
mas hoje não demonstra mais
êxito positivo. O que significa
êxito positivo? Significa que o
Estado moderno pode justificar a pena privativa de liberdade. Sempre se fala que o direito
penal tem quatro finalidades:
serve para educar, produzir
medo, neutralizar os mais perigosos e tem uma função simbólica, no sentido de falar para as
pessoas honestas o que é o bem,
o que é o mal e castigar o mal.
Após dois séculos de investigação, todas as pesquisas dizem
que não temos provas de que a
prisão efetivamente seja capaz
de reabilitar. Isso acontece em
todos os lugares do mundo.
FOLHA - O que fazer, então?
PAVARINI - As prisões já não
produzem suficientemente
medo para limitar a criminalidade. Todos os criminólogos
são céticos. O direito penal fracassou em todas as suas finalidades. Não conheço nenhum
teórico otimista. Isso não significa que não possa haver alternativas. Há um movimento internacional em busca de penas
alternativas. O que se imagina é
que, se a prisão fracassou, a pena alternativa pode ter êxito
punitivo. Há penas alternativas
há três décadas e, se alguma pode surtir efeito, foi em algum
momento específico, que não
pode ser reproduzido em um
lugar com história e recursos
econômicos diferentes.
FOLHA - Numa conferência, o sr.
disse que o Estado neoliberal, que
começou na Inglaterra e nos EUA,
não pensa mais em ressocializar o
preso, mas em neutralizá-lo. Por que
morreu a ideia de recuperar o preso?
PAVARINI - Já se sabia que não
dá para ressocializar o preso. O
problema é outro. Existe uma
obra bem famosa dos anos 70,
chamada "Nothing Works"
[nada funciona]. O livro foi escrito quando [Ronald] Reagan
era governador da Califórnia
[1967-1975]. Ele criou uma
equipe de cientistas, de todas as
cores políticas, e deu-lhes um
montão de dinheiro. A pergunta era muito simples: você pode
mostrar que o modelo de ressocialização dos presos tem um
êxito positivo? Os cientistas
pesquisaram muito e no final
escreveram "nothing works". A
prisão não funciona nos EUA,
na Europa nem na América Latina. Nada funciona se você
pensa que a prisão pode reabilitar. Não pode. O cárcere tem o
papel de neutralizar seletivamente quem comete crimes.
FOLHA - Ele cumpre esse papel?
PAVARINI - Pode cumprir. O
problema é que a neutralização
do inimigo, a forma como o
neoliberal vê o delinquente,
significa o fim do Estado de direito. O primeiro problema é
que você não sabe quantos são
os inimigos. Essa é a loucura.
Os EUA prendem 2,75 milhões
todos os dias. Mais de 5% da população vive nas prisões. São
750 presos por 100 mil habitantes. Há ainda os que cumprem
penas alternativas. Esses são 5
milhões. Portanto, são 7,5 milhões na América os que estão
penalmente controlados. Aqui
no Brasil são 300 presos por
100 mil habitantes.
FOLHA - Há teóricos que dizem que
nos EUA as prisões se converteram
em um sistema de controle social.
PAVARINI - Sim, isso ocorre. O
setor carcerário nos EUA é
quase tão forte quanto as fábricas de armas. Muitas prisões
são privadas. É um bom negócio. O paradoxo dos EUA é que
em 75, quando Reagan começa
a buscar a Presidência, os EUA
tinham 100 presos por 100 mil
habitantes. Após 30 anos, a taxa
multiplicou-se por oito. Os
EUA não tinham uma tradição
de prender muito. Prendiam
menos do que a Inglaterra.
FOLHA - O senso comum diz que os
presos crescem exponencialmente
porque aumentou a violência.
PAVARINI - Isso é muito complicado. Se a pergunta é "existe
uma relação direta entre aumento da criminalidade e aumento da população presa?",
qualquer criminólogo do mundo, eu creio, vai dizer não. Os
EUA não têm uma criminalidade brutal. Ela é comparável à
criminalidade europeia. Eles
têm um problema específico: o
número elevado de casas com
armas de fogo curtas. Um assalto vira homicídio.
FOLHA - Por que prendem tanto?
PAVARINI - Os EUA prendem
não tanto pelo crime, mas por
medo social. Essa é a questão. A
origem do medo social é bastante complexa, mas para mim
tem uma relação mais forte
com a crise do Estado de bem-estar social do que com o aumento da criminalidade. É um
problema de inclusão social. Os
neoliberais dizem que não dá
para incluir todas as pessoas
que não têm trabalho, os inválidos, os que estão fora do mercado. Os criminosos são os primeiros dessa categoria. Uma
regra que ajudou a aumentar a
população carcerária foi retirada do beisebol: três faltas e você
está fora. Em direito penal isso
significa que após três delitos,
que podem ser pequenos, você
está preso. Você está fora porque não temos paciência para
tratá-lo. Vamos eliminá-lo.
FOLHA - Eliminar é o papel principal das prisões, então?
PAVARINI - É um dos papéis. O
direito penal é cada vez mais
duro, as sentenças são mais
longas, "life sentence" [prisão
perpétua] é mais frequente,
aplica-se a pena de morte.
FOLHA - Como essa ideia neoliberal
funciona onde há muita exclusão?
PAVARINI - Vou dizer algo que
parece piada: quando os EUA
dizem uma coisa, essa coisa é
muito importante. Podem ser
coisas brutais, grosseiras, mas
quem diz são os EUA. Como
imaginar que na Itália e na
França, que têm ótimos vinhos,
os jovens preferem Coca-Cola?
Não se entende. É o poder dos
EUA que explica isso. A ideia de
como castigar, porque castigar
e quem castigar faz parte de
uma visão de mundo. Se a América tem essa visão de mundo,
isso se reproduz no mundo.
FOLHA - É por essa razão que cresce
o número de presos no mundo?
PAVARINI - Isso é um absurdo.
Dos 180 e poucos países do
mundo, não passam de 10, 15 os
que têm reduzido o número de
presos. Na Itália, temos 100
presos por 100 mil habitantes.
Há 30 anos, porém, eram 25
por 100 mil. Aumentou quatro
vezes em três décadas. Isso
acontece na Ásia, na África, em
países que não se pode comparar com os EUA e a Europa.
Creio que é uma onda do pensamento neoliberal, que se converte em políticas de direito penal mais severo. É engraçado
que os EUA, nos anos 50 e 60,
eram os mais progressistas em
política penal, gastavam um
montão de dinheiro com penas
alternativas. Mas hoje as pessoas acham que o direito penal
que castiga mais tem mais eficiência. Isso é desastroso. Nos
EUA, o número de presos cresce também porque há um negócio penitenciário.
FOLHA - O que há de errado com
esse tipo de negócio?
PAVARINI - Os EUA têm cerca
de 15% dos presos em cárceres
privatizados. É uma ótima solução para a empresa que dirige
a prisão. Ela sempre vai querer
ter um montão de presos, é claro, para ganhar mais dinheiro, e
isso nem sempre é a melhor política. É um negócio perverso.
Os empresários financiam lobistas que vão difundir o medo.
É um desastre. Mas pode ser
que tudo isso mude. Obama parece ter uma visão oposta à dos
neoliberais e já demonstra isso
na saúde pública, um tema ligado à inclusão social. O difícil é
que não há uma ideia suficientemente forte para se opor ao
pensamento neoliberal sobre
as penas. A esquerda não tem
uma ideia para contrapor. Os
políticos sabem que, se não têm
um discurso duro contra o crime, eles perdem votos.
FOLHA - No Brasil, os políticos e a
população defendem o aumento
das penas. Penas maiores significam
mais segurança?
PAVARINI - Isso é um pecado,
uma ideia louca, absurda.
Acontece o contrário. Penas
maiores produzem mais insegurança. É claro, um país não
pode neutralizar todos os criminosos. Nos EUA, eles podem
colocar na prisão o garoto que
vende maconha. Prende por
um, dois, cinco anos, e ele vai
virar um criminoso profissional. Quanto mais se castiga um
criminoso leve, mais profissional ele será quando voltar ao
crime. Há mais de um século se
diz que a prisão é a universidade do crime. É verdade. Mas, se
um político diz "vamos buscar
trabalho para esse garoto", ele
não ganha nada.
FOLHA - No Estado de São Paulo, o
mais rico do país, faltam 55 mil vagas nos presídios e as prisões são
muito precárias. Por que um Estado
rico tem presídios tão ruins?
PAVARINI - Há uma regra econômica que diz que a prisão, em
qualquer lugar do mundo, deve
ter uma qualidade de sobrevivência inferior à pior qualidade
de vida em liberdade. Como
aqui há favelas, as prisões têm
de ser piores do que as piores
favelas. A prisão tem de oferecer uma diferenciação social
entre o pobre bom e o pobre delinquente. Claro que São Paulo
poderia oferecer um presídio
que é uma universidade, mas
isso seria intolerável. O presídio ruim tem função simbólica.
FOLHA - Em São Paulo, o número
de presos cresce à razão de 6.000 por
mês. Faz sentido construir um presídio novo por mês?
PAVARINI - Mais cárceres significam mais presos. Se você tem
mais presídios, você castiga
mais. Por isso os países promovem moratórias, decidem não
construir mais presídios.
FOLHA - Políticos dizem que mais
presídios melhoram a segurança.
PAVARINI - A única coisa que você pode dizer é que mais presídios significa mais população
presa. Há milhões de pessoas
que delinqúem diariamente, e
os presos são uma minoria. O
sistema penal é seletivo, não
pode castigar todos. As pessoas
dizem que o crime não compensa, mas o crime compensa
muito. O sistema não tem eficiência para castigar todos.
Quando você aumenta muito a
população carcerária, algo precisa ser feito. Na Itália, há cada
cada quatro, cinco anos há anistia. Entre os nórdicos, quando
um juiz condena um preso, ele
precisa saber a quantidade de
vagas na prisão. Se não há vaga,
outro preso precisa sair. O juiz
indica quem sai. Porque é preciso responsabilizar o Poder
Judiciário e a polícia pelos presídios. O cárcere tem de ser
destinado aos mais perigosos.
Uma prisão de merda custa
250 por dia na Itália. Não faz
sentido usar algo tão caro para
qualquer criminoso.
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