São Paulo, terça-feira, 31 de outubro de 2000

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MARILENE FELINTO

Vencedor, PT será massacrado pela mídia

Não é preciso ser cientista político -essa profissão agora tão em moda na celebrada "democracia" brasileira- para saber que o esquecimento do mundo é ideologia, como disse um estudioso francês cujo nome me foge no momento. É ideologia pois que constrói um outro mundo, é ideologia porque atrai a atenção para o anódino (secundário), desviando-a do resto que interessa.
No tratamento que a mídia brasileira dá à política, isso é bastante evidente. A mídia -a impressa e a televisiva- prefere os candidatos populistas, folclóricos no seu jeito personalista, coronelesco e patriarcal de tratar os adversários e a coisa pública. Os populistas -que vivem de insuflar mentiras, factóides, piadas espirituosas- dão mais temperatura às "notícias", mais audiência, vendem mais jornal e revista.
Não faltam exemplos. Na cobertura dessa última eleição, o candidato derrotado à Prefeitura de São Paulo, Paulo Maluf (PPB), foi poupado até mesmo da mais comprovada de suas atuações de conduta escusa: seus vínculos (diretos ou indiretos) com a bancada pepebista da Câmara, aliada à máfia da propina e ao desastroso prefeito Celso Pitta.
Só se falava no "renascimento" malufista, na "força" do voto oculto ao malufismo etc. Muito pouco se dizia sobre as manchas do passado (do mais remoto ao mais recente) de Maluf, um dos nomes mais associados à desonestidade, à corrupção e ao atraso político.
Parte do esquecimento é a mídia que promove. Em nome de um "pluralismo" de visões pouco convincente, passa-se uma borracha nos fatos, nas associações de fatos, na história de certas personalidades políticas, dando a estas mais importância do que elas realmente têm, forçando sua permanência na cena pública com o único objetivo de aquecer o mercado da notícia.
Exemplo claro disso é o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL), transformado em "vitorioso" na mídia por ter eleito quase todos os prefeitos da Bahia, inclusive o de Salvador. Uma vitória apenas local, típica de caciques políticos formados pela ditadura, que comandam seu território na base do favor, inexpressiva quando considerada dentro do contexto de vitórias da esquerda (do PT e do PSB por exemplo), que conquistou a maioria das capitais importantes.
Em contrapartida aos confetes atirados sobre o senador ACM, abordou-se apenas timidamente a fragorosa derrota de seu partido e aliados -o mesmo PFL de Roberto Magalhães, derrotado em Recife pelo PT, e de Luiz Paulo Conde, derrotado no Rio de Janeiro por Cesar Maia (PTB).
Com o PT no poder em escala nacional, vai ser diferente. A perseguição será implacável (a não ser que eu esteja muito enganada). Há uma antiga antipatia da mídia para com o PT e sua origem nos movimentos populares -tido sempre como "baderneiros", "utópicos" e irresponsáveis. Os únicos movimentos que a mídia não trata com desdém são aqueles de origem estudantil -exatamente porque os filhos da elite atuaram ou atuam neles.
No mais, entre o PT e a mídia, tudo é incompatibilidade essencial. Há uma espécie de aposta implícita para que o antes atirador de pedras vire vidraça estilhaçada. Os "calunistas" de plantão já tomaram seus lugares, a imprensa está cheia de mau-caráter oportunista. O PT tem dezenas de defeitos, entre eles um viés autoritário irritante. Será um embate inesquecível.


E-mail: mfelinto@uol.com.br



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