São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2004

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PATRIMÔNIO

Especialista afirma que além dos dez imóveis que já passam pelo processo, cidade possui outros ainda ignorados

Nova casa bandeirista é descoberta em SP

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

"Pode vir, não precisa ter medo", avisa Arcílio Reimberg, 64, enquanto corta, com o facão, algumas folhagens que dificultam o caminho até a casa rosada. De um tronco podre, recém pisado, fogem inúmeros formigões. A terra, ainda úmida da chuva, convida ao tombo -o jeito é se apoiar nas árvores que dominam o entorno: ipês, bananeiras, eucaliptos. Enfim, o pé alcança a base da residência onde Arcílio passou a maior parte de sua infância. E que também é a décima casa bandeirista a entrar em processo de tombamento em São Paulo.
O imóvel foi descoberto pela arqueóloga Lúcia Giuliani, da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, durante uma pesquisa socioambiental feita pela prefeitura para a implementação da APA (Área de Proteção Ambiental) da península do Bororé, na margem da represa Billings (zona sul de São Paulo).
A equipe da secretaria chegou ao local no fim de 2003, por indicação de moradores da região. Na vizinhança, a casa velha e parcialmente demolida já havia ganho até fama de mal-assombrada, conta Cacilda Eposito, 42, cuja família é proprietária do imóvel.
O local, usado para o veraneio dos Epositos, foi gradativamente abandonado após 1986, quando o pai de Cacilda adoeceu. "Não tínhamos condições de reformá-la", diz. A família também não tinha noção do valor do imóvel.
Segundo Giuliani, a casa foi construída, no máximo, no fim do século 17. Ela é feita de taipa de pilão -técnica em que a terra é comprimida, com pilões, dentro de uma fôrma de madeira- e algumas de suas paredes têm mais de 60 centímetros de espessura.
Apesar da idade e dos anos de abandono, parte da casa está bem conservada e o imóvel é passível de recuperação. Segundo Giuliani, a meta é realizar o processo de restauro em parceria com a comunidade da região, como forma de estimular a educação patrimonial. O imóvel está em processo de tombamento no Conpresp (conselho municipal de preservação do patrimônio histórico).
Para a arqueóloga, uma das vantagens dessa casa em relação às demais já identificadas na capital é que ela permanece na zona rural da cidade. Por isso, o entorno dela -que, na infância de Arcílio Reimberg, era um pasto cheio de vacas e, hoje, está tomado pela vegetação- pode ser uma rica fonte de pesquisa arqueológica.
O aposto "bandeirista" vem do fato de que a casa é do mesmo período em que os bandeirantes desbravavam a região em busca de índios e metais preciosos.
No decorrer dessas viagens, os bandeirantes paravam para descansar nas sedes das fazendas. Isso levou a algumas características específicas das casas dessa época, como a construção de um quarto específico para hóspedes, sem acesso à área íntima da residência.
A capela, muitas vezes, também possuía uma passagem direta para a casa, para evitar que as mulheres fossem molestadas pelos visitantes, diz Helena Saia, uma das mais respeitadas arquitetas do país em restauro histórico e filha de Luís Saia, estudioso das formas de habitação paulistas. Para ela, ainda há muitas casas bandeiristas a serem descobertas. "Com pesquisas sistemáticas, encontraríamos muito mais coisas."

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