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SABATINA FOLHA
JOSÉ PADILHA
Para cineasta, miséria não é a causa da violência no país
Diretor afirma que seu filme não prega a violência policial, admite que já fumou maconha e defende a descriminalização das drogas
JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DA REPORTAGEM LOCAL
O DIRETOR DE "Tropa de Elite", José Padilha, 40, disse ontem, em sabatina promovida pela Folha, não concordar que a miséria seja a causa da violência no país,
pensamento que vê como "padrão" no Brasil. Segundo ele, cidades com índices sociais piores do que o Rio
são menos violentas. "Então, existe no Brasil algum
processo que converte miséria em violência."
O cineasta criticou declarações do governador do
Rio, Sérgio Cabral (PMDB), segundo o qual a legalização do aborto ajudaria a reduzir a criminalidade. Padilha, que foi sabatinado pelo editor de Cotidiano,
Rogério Gentile, e pelos colunistas Marcelo Coelho,
Barbara Gancia e Gilberto Dimenstein, contou que
já fumou maconha e defendeu a descriminalização
das drogas. Ele fará um filme que pretende retratar
a corrupção política no país -"O Corruptólogo".
O FILME PREGA QUE A
VIOLÊNCIA POLICIAL É
MAL NECESSÁRIO?
Minha resposta é não. Tentei
tirar do filme argumentos pró e
contra a posição do narrador.
Para as pessoas olharem aquilo
e refletirem a respeito. A gente
tem que se perguntar por que
há policiais que pensam assim.
HEROÍSMO
É muito difícil imaginar que
alguém considera o Nascimento um herói. [O filme mostra
que] Com o nascimento do filho, ele descobre que a sua
ideologia, a violência, não é
compatível com a sociedade
nem com a sua família. Não
consegue verbalizar isso, mas
passa o filme todo em crise
existencial porque percebeu isso internamente. Isso é a premissa do personagem. Qual é o
drama dele? "Quero sair daqui." O que me incomoda é que
as pessoas não vejam isso e, em
vez de se identificar com o personagem, se identificam com o
discurso do personagem.
MISÉRIA E VIOLÊNCIA
A idéia era tentar descobrir
como policiais vêem a violência. Existe um discurso-padrão
que explica os altos índices de
violência no Brasil pela miséria. O problema é que esse discurso não resiste aos fatos. Se
você pegar dados da ONU e
comparar índices sociais com
os de violência, vai ver que tem
países e cidades com índices sociais bem piores do que os do
Rio, e os de violência, muito
menores. Então, existe no Brasil algum processo, algum fenômeno, que converte miséria em
violência em uma taxa alta. No
filme "Ônibus 174" a idéia era
mostrar como o Sandro ficou
tão violento assim. E a tese subjacente era que o Estado produziu aquilo -a polícia matou os
amigos do Sandro na Candelária, e o Sandro foi jogado em
uma "Febem", onde crianças
apanham e são tratadas como
escória. Se você faz isso com
pessoas por muito tempo, as
transforma em violentas. Isso é
uma das coisas que convertem
miséria em violência. A outra é
a polícia. O que leva a polícia a
isso? "Tropa de Elite" diz isso:
baixa remuneração, corporação corrompida por dentro... A
contrapartida da honestidade
na polícia brasileira gerou a
violência, isso explica o discurso do Nascimento.
SANDRO E CAPITÃO
NASCIMENTO
Os filmes ["Ônibus 174" e
"Tropa de Elite"] têm o mesmo
enfoque: quero explicar esse
comportamento, não quero julgar. O processo que gera uma
pessoa como o Sandro [Nascimento] é o mesmo que gera o
capitão. Por isso eles têm o
mesmo nome [Nascimento].
DROGAS
Não me parece razoável o Estado dizer se devo consumir
maconha ou não. Não há lei que
impeça o acesso à droga. O que
se deve discutir no mundo real é
de que forma se dará o acesso. O
próximo passo é lógico: tem de
legalizar. O Estado não diz se
você pode ou não fumar cigarro,
no entanto, faz uma campanha
maciça explicando o que o cigarro faz. E cobra um imposto elevadíssimo. Acontece que [com
isso] caiu bruscamente o consumo de cigarro. No mundo ideal,
sou favorável à legalização das
drogas e a tratar a questão como
de saúde pública.
INGRESSO BARATO
Neste fim de semana devemos ter mais de 2 milhões de
espectadores, deveremos chegar a mais de 3 milhões. Mas o
público caiu mais rápido do que
o do "Carandiru" nos cinemas
de classes C e D em razão da pirataria. Estamos propondo para os exibidores jogar o preço
do cinema a R$ 5 para ver se esse público vai ao cinema. E não
sei se não deveria existir incentivo fiscal para a compra de ingresso de filme brasileiro. Talvez aí não precisasse do incentivo para a produção ou [esse
incentivo] seria menor.
COMBATE À PIRATARIA
Poderíamos fazer como o Radiohead [grupo de rock inglês],
oferecer o download na internet e cobrar. Teve um cara do
Sul do país que me mandou um
e-mail dizendo que tinha visto
o filme pirata, tinha gostado
muito. Queria o número de minha conta para depositar o valor do ingresso. É uma solução
genial, direto na minha conta
[risos].
PRÓXIMO FILME
[É] "O Corruptólogo", com a
mesma maneira de filmar,
[olhando o] que gera um certo
político típico, como temos no
Congresso. O político típico está lá por um motivo, tem a ver
com as leis de financiamento de
campanha. É uma idéia do Gabriel O Pensador.
IMAGEM DE ONGS
Tem ONGs seriíssimas, mas
há também as que não são.
Quando fiz "Ônibus 174", olhei
a estatística de meninos de rua
e ONGs no Rio. Eram 3.400
meninos de rua e 1.615 ONGs.
Se cada uma pegasse dois, acabava o problema. As ONGs são
importantes, mas desconfio da
proliferação. O filme não é tese
científica. Uma tese tem metodologia e lógica próprias, mas
são simplificações também. No
cinema, que não tem a lógica da
pesquisa, mas a da dramaturgia, a simplificação é maior ainda. A ONG do filme está inspirada numa do morro Dona
Marta. O cara da ONG quase
terminou como o do filme.
FUMA MACONHA?
Não. Já fumei.
ABORTO E VIOLÊNCIA
O aborto é uma discussão
muito complicada, que não tem
só a ver com violência. É um argumento muito ruim [do governador Sérgio Cabral
(PMDB), do Rio de Janeiro] dizer que legalizar o aborto diminuirá a violência. É muito complicado entender os fenômenos
sociais.
LUCIANO HUCK
Céus...! O artigo dele existiu
em um contexto. O Confúcio,
vou apelar a ele, fala assim: "Em
um país justo, a miséria é uma
vergonha. Em um país injusto,
a riqueza é uma vergonha". No
Brasil existe crítica à riqueza e à
ostentação. O que acho que ele
quis dizer foi: "Posso usar um
Rolex, porque não roubei esse
Rolex". Eu não usaria um. Acho
que faltou a ele parar para pensar no contexto. Mas discordo
do tom do artigo. Dizer "chama
o Capitão Nascimento" é uma
reação emotiva, mas a idéia é
errada, pois o Capitão Nascimento acredita na coisa errada.
EFEITO EM CRIANÇAS
Meu filho de quatro anos
canta uma música do filme:
"Morro do Dendê é ruim de invadir...". Não é proibindo música que vai reduzir violência. A
idéia de que o filme é perigoso é
ruim. O filme é para maiores de
16 anos, mas a cópia pirata não
é proibida para ninguém.
REAÇÃO NA PUC-RJ
Em um debate na PUC, um
cara perguntou o que eu achava
que tinha feito com a imagem
da PUC. Comecei a rir, e ele disse que eu não poderia rir. Usei
lá como locação. Tinha uma
pessoa da PUC me acompanhando na filmagem. Aí o aluno
disse: "Quem foi essa pessoa?".
Respondi: "Por que, você vai
botar a pessoa no saco?".
Veja vídeo da sabatina em www.folha.com.br/073031
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