São Paulo, Sexta-feira, 31 de Dezembro de 1999


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LETRAS JURÍDICAS

De 1999 para o milênio

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

Eis-nos, pois, no ano 2000. Ao se findar 1998, afirmei a inutilidade de insistir que, no fim de 99, estaríamos no horário de verão de um calendário cheio de erros, pois 2000 e o novo milênio reforçariam as esperanças de ver afastadas as durezas do século 20. É o que se nota nestes dias.
Os contrastes de 1999 não discreparam do rumo geral do século, como se percebe referindo aleatoriamente alguns ramos do direito, a contar do direito internacional, tão ficcional quanto o calendário.
A perseguição sérvia contra os kosovares, ao provocar a reação das nações mais fortes do mundo, reduziu a Sérvia a ruínas e mostrou a dúbia moral que inspirou os bombardeios.
A destruição da Tchetchênia pelos russos, as perseguições chinesas no Tibete, criticadas em moderados discursos de protesto, mostram que a "coragem" vale só contra os fracos.
No direito internacional, o canhão está afastado. Agora predominam foguetes e superbombardeiros. O fracasso das reuniões de Seatle, a respeito do comércio entre as nações, foi o esperado no direito comercial. Como disse Lincoln, é possível enganar alguns por algum tempo, mas não todos por todo o tempo.
Os grandes querem restringir a comercialização de produtos do Terceiro Mundo, mas exigem liberdade plena para suas exportações, com a tese das belezas da globalização, conversa na qual os mais pobres não entraram.
Os direitos penal e processual penal, em 1999, também andaram um pouco pela área da ficção.
Há, porém, sinais de otimismo. Poderosos foram presos. No campo do tráfico de drogas, é preciso fazer mais. A apuração dos delitos, contudo, não dispensa o devido processo legal, respeitado o direito constitucional do contraditório, no terceiro milênio.
O direito civil passará pela maior transformação de sua história. A reprodução assistida, a liberdade familiar da mulher já estão aí. A predominância de uniões não consagradas pelo casamento não é a melhor solução, mas um fenômeno impossível de ignorar.
O pátrio poder e a criação dos filhos sofrem a influência dos novos hábitos, incluindo a substituição das responsabilidades da família pelas escolas e pela televisão, esta o grande tema familiar de 99.
O direito constitucional, no Brasil, continua tão transitório quanto o era ao tempo da ditadura. Há, no plano geral, uma incerteza quanto a qualquer efeito da lei, ante a pluralidade das interpretações dadas pelos tribunais. No fim do ano, chamar um projeto de "lei da mordaça" quis impedir a serenidade da discussão. Não há procurador-geral que negue, na intimidade, sua preocupação com manifestações exageradas de companheiros seus, quando se acendem as lâmpadas de televisão e lhe são pedidas declarações. A liberdade de expressão é fundamental, mas a Escola Base e o bar Bodega merecem lembrança.
Governantes abusaram da demagogia, criticando os chamados "superprecatórios" por desapropriações supostamente desonestas. Quando a Folha publicou o rol dos grandes credores da União, verificou-se que muitas críticas eram falsas, como também o são nos Estados, especialmente em São Paulo. Deve haver um ou outro caso de irregularidade, mas a imensa maioria dos valores altos é culpa dos próprios governantes caloteiros.
Este ano não foi bom. Judiciário congestionado e acusado, apurações que seriam maravilhosas se o direito de defesa fosse resguardado, sucessivos escândalos cujo resultado só se saberá dentro de muitos anos deixam, para o operário do direito, um travo amargo, que talvez nem o terceiro milênio seja capaz de adoçar.


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