São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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Jefferson Bernardes / Folha Imagem
A técnica agrícola Tânia Oppitz, 56, se acomoda na cama com os filhos Edgar (à dir.) e Fernanda (à esq.)e seus respectivos namorados, Sabina Golombieski e José Dimitrius; com permissão da mãe, os jovens dormem com os parceiros na casa dela (mas não na do pai) leia na pág. 18
PORTO ALEGRE - A técnica agrícola Tânia Oppitz, 56, se acomoda na cama com os filhos Edgar (à dir.) e Fernanda (à esq.)e seus respectivos namorados, Sabina Golombieski e José Dimitrius; com permissão da mãe, os jovens dormem com os parceiros na casa dela (mas não na do pai) leia na pág. 18

Marcelo Coelho

A família arruma a cama

Virgindade, gravidez solteira, homossexualidade, sexo no namoro ou na casa dos pais revelam que os brasileiros estão mais tolerantes

Está longe de ser um "liberou geral". Mas de 1998 a 2007 mudou bastante coisa nas atitudes dos brasileiros com relação à sexualidade, à moral e à família. A pesquisa do Datafolha feita neste ano, que repete questões feitas quase dez anos atrás, apresenta sinais contraditórios. Diminui (muito) a rejeição ao homossexualismo. Mas também aumenta a rejeição ao aborto. Cresce a importância atribuída à religião. Mas ver a filha solteira engravidar já não alarmaria tanta gente.
A aceitação ao homossexualismo parece estar, como dizem, "bombando". Leia-se a pergunta. "Se você soubesse que um filho homem está namorando um homem, você consideraria um problema muito grave, mais ou menos grave, pouco grave ou não consideraria um problema?"
Em 1998, 77% dos entrevistados achavam que essa situação seria "muito grave". O índice caiu 20 pontos percentuais em nove anos: hoje, só 57% teriam essa reação. Se o "problema" ocorresse com uma filha, os níveis de tolerância não se alte-rariam significativamente: 55% dos entrevistados não achariam "muito grave" se ela namorasse outra garota.
Os dados surpreendem bastante, uma vez que num livro recém-publicado, "A Cabeça do Brasileiro", de Alberto Carlos de Almeida (editora Record), o homossexualismo é objeto de forte rejeição. A pesquisa foi feita em 2002 e mostra que 89% da população afirma ser "totalmente contra" ou "um pouco contra" o sexo entre dois homens.
Cinco anos de intervalo entre uma pesquisa e outra não explicam tudo, e sem dúvida entramos aqui no labirinto das sutilezas metodológicas. É que a pergunta feita na pesquisa de Alberto Almeida é um bocado diferente. Em vez de imaginar a situação de um filho namorando outro homem, o questionário indaga diretamente se o entrevistado aprova ou rejeita "o homossexualismo masculino" em geral. Pode-se imaginar que ele condene a prática, pensando nas suas próprias preferências ou nas "leis da natureza", sem entretanto arrancar os cabelos se um filho a experimentasse.
Mesmo assim, o avanço é espantoso. Ainda mais quando só 3% da população consideram "moralmente aceitável" fazer um aborto, contra 87% que acham isso "moralmente errado", e 6% que, estranhamente, afirmam não ser essa "uma questão moral".
Os maiores sinais de liberalização e modernidade talvez apareçam, na verdade, quando determinadas "questões" simplesmente deixam de ser... "questões". De 1998 a 2007, subiu de 76% para incríveis 92% o índice de entrevistados que não considerariam um problema se o filho namorasse uma pessoa de outra cor. Com a filha, a toada muda um pouco: o índice baixa para 85%. Mesmo assim, eis uma questão em que a teoria faria bem em ser testada na prática.
Em 1998, quando foram publicados os números da primeira pesquisa, escrevi um artigo lembrando alguns costumes e preconceitos que conheci na infância, durante os anos 60. Ouvia familiares mais velhos reclamando quando grávidas usavam biquíni; divórcio, ou "desquite", que era o que havia na época, surgia indubitavelmente como um acontecimento raro e de considerável gravidade. Hoje, nenhum pesquisador nem sequer cogitaria colocar questões sobre divórcio num levantamento de opinião. O assunto foi vencido pela modernidade. Seria o caso de dizer que pergunta boa, numa pesquisa sobre sexualidade, é pergunta morta. As melhores notícias, como se sabe, são aquelas de que ninguém se dá conta.´

Os maiores sinais de liberalização talvez apareçam quando determinadas questões deixam de ser questões; o assunto é vencido pela modernidade

Lugar de mulher é em casa
Para as feministas, esse, sim, é um número alarmante. No mesmo país em que, segundo o dado mais recente do IBGE, 29,2% dos lares são chefiados por mulheres, 33% dos entrevistados pelo Datafo-lha acham que as mulheres devem deixar de trabalhar fora para cuidar dos filhos. Na segmentação por sexo, a resposta foi dada por 36% dos homens e 30% das mulheres ouvidas.
Outros 49% dos brasileiros aceitam que a mulher trabalhe, desde que o salário dela seja realmente necessário para o orçamento familiar. O índice dos que defendem que a mulher deve abrir mão do trabalho pelos filhos é menor entre os que cursaram o ensino superior: 19%. O que, no entanto, não deixa de ser um número alarmante, segundo a assistente social Sonia Coelho, 48, militante da Sempreviva Organização Feminista (SOF).
Para ela, os dados revelam que a melhoria das condições das mulheres na sociedade não depende apenas da evolução do nível educacional da população. "Mais do que uma mudança ideológica sobre o papel da mulher, é necessária uma mudança na atuação do Estado no setor", acha.
Para ela, enquanto as mulheres tiverem que se redobrar para conciliar sua atividade remunerada e a maternidade, dificilmente poderão concorrer em pé de igualdade com os homens no mercado de trabalho. E, se não puderem concorrer com eles, tampouco conseguirão derrubar a opinião arraigada de que a maternidade é o seu principal papel na sociedade. É preciso acabar com a idéia de que a mulher só trabalha para complementar a renda do marido", afirma.
A saída, segundo a feminista: "O Estado deveria garantir condições para que elas tenham filhos sem serem prejudicadas por isso. Oferecer vagas em creches e promover campanhas que combatam a discriminação no mercado de trabalho estão entre as ações prioritárias", defende. (João FELLET)

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