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Análise - O cientista

Teve participação direta em momentos-chave da ciência nacional

MARCELO LEITE EDITOR DE OPINIÃO

A especialidade de Paulo Emílio Vanzolini, na sua identidade menos conhecida de pesquisador, eram cobras e lagartos. O afiado zoólogo foi um dos maiores herpetologistas do Brasil e teve participação direta em momentos cruciais da ciência nacional.

A pesquisa biológica, como um lagarto, caminha pela natureza impulsionada sobre dois pés por vez: teóricos e sistematizadores, de um lado, naturalistas e taxonomistas, de outro. Vanzolini serpenteava com destreza entre os dois campos, aliando como poucos as faculdades de observador detalhista e de generalizador arguto.

Na descrição de espécies de répteis e seus hábitos ecológicos, avançou sobre terreno quase virgem, aplicando com afinco a formação obtida na Faculdade de Medicina da USP e no doutorado na Universidade Harvard (EUA). Foi fundamental para o Museu de Zoologia da USP, que amou e dirigiu por muitos anos.

O conhecimento acumulado sobre a distribuição de cobras e lagartos foi empregado como apoio empírico para a chamada teoria dos refúgios (1969 e 1970). Vanzolini a desenvolveu com o geógrafo Aziz Ab'Sáber.

A imensa diversidade de espécies na Amazônia, segundo a teoria, decorreria da alternância de períodos secos nos últimos 2 milhões de anos (Quaternário). Com a intromissão de línguas de cerrado (savana), a floresta densa teria sido confinada em redutos.

Isolados nas ilhas de mata ("refúgios") durante milênios, animais teriam evoluído de forma independente até se tornarem espécies distintas.

Hoje, no entanto, acredita-se que a exuberância e a distribuição da biodiversidade amazônica não podem ser explicadas só pelas variações climáticas do Quaternário. Elas têm raízes muito mais profundas no tempo.

A colaboração com Ab'Sáber nasceu de sua admiração por Vanzolini ter participado do grupo que criou a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) em 1960. Vanzolini foi um dos que lutaram por padrões rígidos, como limites orçamentários para o gasto administrativo --o grosso dos repasses governamentais tinha de ir para a pesquisa-- e o julgamento dos projetos por pareceristas anônimos.

Eram usos e costumes estranhos à ciência nacional, mais afeita à camaradagem. Vanzolini também a praticava, mas nos lombos de burro e nas canoas em que se embrenhava pelos cafundós do Brasil.

Numa de suas incursões pelo rio Paraná, compôs com Antônio Xandó uma estrofe complementar para "Cuitelinho" (espécie de beija-flor), entoada por um pescador. Estão ali talvez os versos mais formosos de uma das mais bonitas melodias do cancioneiro nacional: "A tua saudade corta como aço de navalha / O coração fica aflito, bate uma, a outra falha / E os olhos se enchem d'água, que até a vista se atrapalha".

A letra é triste, mas o encontro de Vanzolini com a cultura popular não poderia ter sido mais feliz.


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