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Coletânea foca questão urbana para analisar protestos de junho

'Cidades Rebeldes' reúne 16 artigos que destacam crise urbana por trás das manifestações

Obra traz nomes de esquerda, como o geógrafo David Harvey e a arquiteta Ermínia Maricato

ELEONORA DE LUCENA DE SÃO PAULO

Os protestos de junho, que surpreenderam e sacudiram o país, mobilizam os analistas. É preciso buscar explicações, avaliar suas características, traçar perspectivas futuras.

Com esse objetivo, está sendo lançada "Cidades Rebeldes", coletânea de 16 artigos reunindo nomes da esquerda como o filósofo Slavoj?i?ek, o geógrafo David Harvey, a arquiteta Ermínia Maricato, o historiador Lincoln Secco.

O foco da obra é a crise urbana por trás das manifestações: cidades divididas entre ricos e pobres, especulação imobiliária, estímulo ao automóvel, transporte público sucateado. Fazendo um histórico da situação, Maricato aborda o recuo das políticas públicas e sociais a partir do avanço do neoliberalismo no país.

Lembra que taxa de homicídios cresceu 259% no Brasil entre 1980 e 2010. Que o preço dos imóveis em São Paulo aumentou 153% entre 2009 e 2012. E que o número de automóveis em 12 metrópoles brasileiras, que era de 11,5 milhões em 2001, saltou para 20,5 milhões em 2011.

"A terra urbana permaneceu refém dos interesses do capital imobiliário" e "os pobres foram expulsos para a periferia da periferia", escreve a urbanista.

Economista e sociólogo, Carlos Vainer afirma que as cidades adotaram um "planejamento amigável ao mercado", aprofundando problemas de favelização, informalidade, desigualdades e violência.

Para ele, os megaeventos intensificam a "cidade de exceção e a democracia direta do capital". Condenando as políticas impostas por Fifa e COI, alfineta: "São neoliberais, mas adoram um monopólio".

Vainer lembra que Mao Zedong disse que uma fagulha pode incendiar uma pradaria. No caso brasileiro, segundo ele, as cidades são a pradaria --muito seca. E a fagulha seria "a arrogância e a brutalidade dos detentores do poder".

REVOLTAS E PARTIDOS

Integrantes do Movimento Passe Livre fazem histórico do grupo, partindo da "Revolta do Buzú" --que em 2003, em Salvador, tentou bloquear aumento das passagens--, e da "Revolta da Catraca", que conseguiu impedir reajustes em Florianópolis. Ambas mobilizações desaguaram na criação do MPL, em 2005.

Já Lincoln Secco aponta para a ação da polícia nos protestos. Na sua visão, "o decisivo não foi a violência, tão natural contra trabalhadores organizados, e sim sua apropriação pela imprensa".

Argumenta que a incapacidade de partidos galvanizarem protestos é fenômeno mundial.

Buscando conexões entre as revoltas pelo globo, Slavoj?i?ek é cauteloso ao falar sobre o Brasil, preferindo traçar paralelos entre Grécia e Turquia. Diz que os protestos combinam questões econômicas e político-ideológicas.

SEM PREVISÕES

A rigor nenhum dos articulistas se arrisca muito a fazer previsões sobre os desdobramentos das manifestações brasileiras. Trazendo a questão do trabalho para a discussão, o sociólogo Ruy Braga avança um pouco. Defende que "o país entrou no ritmo do sul da Europa, e que viveremos ainda um bom tempo sob a sombra desse explosivo estado de inquietação social".

CONJUNTURA

Muito focado na questão urbana e nos eventos paulistanos, o livro deixa escapar uma análise mais aprofundada da conjuntura econômica e da política atual. Escamoteando a questão partidária, deixa muitas perguntas no ar.

A esquerda fracassou em romper com as políticas neoliberais? O que o baixo crescimento tem a ver com cidades em polvorosa? Como será a disputa pela direção do movimento? A participação de centrais sindicais e a formulação de uma pauta de reivindicações comum podem dar outro rumo ao movimento das ruas?

Talvez pedir conclusões mais abrangentes seja demasiado para uma obra-relâmpago feita no calor dos acontecimentos. De qualquer modo, a coletânea tem o mérito de levantar pontos para debate.

Mas é mais provável que a pradaria do exemplo de Mao tenha um relevo muito mais complexo e para além da questão urbana --por mais que ela concentre a disputa de poder. Ou, como dizia o líder chinês, a história precise de mais tempo para ser interpretada.


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