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Francisco Daudt

Parto interminável

Em momentos de maior ou menor dor é que o mundo externo nos atrai ou sobre nós se impõe

O parto, em nossa espécie, se dá em vários momentos além daquele em que saímos do ventre de nossas mães para entrar no mundo.

O complexo de Édipo descrito por Freud e reconhecido pelos psicólogos evolucionistas como um acontecimento universal da nossa natureza, independente de época ou cultura, nada mais é do que o jeito como enfrentamos as forças opostas: nosso apego ao colo materno e o chamamento que o mundo externo nos faz.

Já se deduz que, se o mundo nos parecer hostil, vamos querer mais colo. Se os adultos que precisam cuidar de nós por longo tempo levarem em conta nossas capacidades e nos apresentarem um mundo com que podemos lidar sem sofrimentos, acabamos tomando gosto por ele e saindo do ninho para voar com nossas próprias asas.

Por razões didáticas, vamos olhar para alguns momentos de parto e vamos chamá-los de "crises da vida", momentos de maior ou menor dor em que o mundo externo nos chama, nos atrai, ou sobre nós se impõe.

Quando eu fiz seis anos, já tinha me alfabetizado em casa e fui posto no primeiro ano primário direto. Nada de pré-escola, período de adaptação, mamãe por perto na primeira semana. Foi uma desova que me fez chorar, querendo colo, dias seguidos. Foi uma apresentação ao "mundo" desastrosa, ele me pareceu hostil. Depois superei, mas foi uma crise da vida que podia ser suavizada.

A adolescência é outra, brutal. A criança é tomada por hormônios, mudanças corporais que a deixam mais forte e mais erotizada. O intercâmbio amoroso-sexual se apresenta. Ambições de não ser mais tratada como criança. Embates de autoridade em casa. Tentativas de inserção social, questões de autoestima, dúvidas de imagem corporal, de direito aos desejos que descobre em si (ou vergonha deles). É um momento delicado em que: A) a criança confia na autoridade dos pais porque ela lhe foi apresentada como baseada num saber que a convenceu e B) a autoridade dos pais sempre foi baseada no mando e na força, parecendo insensata para a criança.

No primeiro caso, a confiança nos pais e a confiança que eles têm nos critérios que viram a criança desenvolver resultam numa amorosa parceria para enfrentar o mundo.

No segundo caso, surge o adolescente rebelde, transgressor, que tende a adotar uma tribo de colegas como nova família, com muito mais influência sobre ele que sua família de origem, e invariavelmente com um autoritarismo e uma imposição de aparências e comportamentos muito maiores do que a família de origem teve. Só que agora, para escapar da primeira arapuca, a criança cai na segunda. E dá-lhe de piercings, tatuagens, drogas e roupas esquisitas.

Tom Jobim dizia: "Filho meu, eu só crio até os 46 anos. Depois é com ele!" Afora esses casos, haverá a crise da entrada no mercado de trabalho, casamento, filhos etc.

Vem a crise da meia-idade, chamada de crise dos quarenta. É um momento em que a pessoa olha para a vida e percebe que passou sua metade fazendo o que a cultura esperava dela, e agora quer viver segundo suas vontades.

Ou seja, nossa vida é um parto interminável.


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