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Barbara Gancia

Os novos garibaldinos falharam

O destemor guerreiro de junho se diluiu na docilidade da falta de coragem, de organização e de seriedade de propósito

Parada num farol da rua da Consolação, centro de São Paulo, na tarde de quarta, acendo o forno que guardo no lugar do cérebro na tentativa de encontrar forma para este texto.

Em seu discurso de posse na ABL, FHC lembrou dona Ruth: "Ela dizia que a pior coisa na vida é não ter o ouvido aberto para aqueles que estão contra você". Estou há dez minutos sem sair do lugar. Pergunto ao taxista do meu lado: "Aê, amigo! O que acontece?"

"Sei lá, parece manifestação na esquina da Ipiranga com a São João", diz, meio anestesiado.

Volto a ligar o rádio que havia emudecido para ouvir melhor a lenha estalando na fornalha da minha caixa craniana. Logo vem a informação: são cerca de 30 gatos pingados bloqueando a via. Contra o que protestam, ninguém sabe. Não há cartazes anunciando qualquer reivindicação. A reportagem voltará em instantes.

Nesse caso, aproveitemos o tempo para pensar na coluna de sexta. Deixa ver então, depois de citar dona Ruth, FHC afirmou que os "black blocks" praticam vandalismo, foi?

Taí. Mesmo entre integrantes do PCC ou das torcidas organizadas há quem concorde com FHC. "Black blocks" são baderneiros. E a culpa é deles por ter dispersado o foco das manifestações, foram eles que afastaram as pessoas de bem das ruas.

Veja só: um bando de mascarados foi capaz de se interpor entre milhões de destemidos garibaldinos em sua alva missão de recuperar o país das mãos da canalha corrupta.

Consigo avançar um quarteirão e o noticiário da rádio ainda não identificou o motivo do protesto. O pessoal que está atrapalhando o fluir do tráfego já está sendo vilificado. O destemor guerreiro de junho se diluiu na docilidade da falta de coragem, de organização e de seriedade de propósito.

Ainda não descobri por que perdi mais de hora no trânsito na quarta. Só sei que diante da eficácia das quadrilhas que agem infiltradas no poder, do alto de sua frouxidão, os garibaldinos acidentais não passam de um exército de Brancaleone. Não importa quantos milhões acorram às ruas.

Neste momento, é mais importante entender do que julgar. Alô, FHC! É evidente que, no meio dos "black blocks", há de tudo: oportunistas, ladrões de galinhas e ETs de Varginha. Mas não se deve desprezar a simbologia. Vivemos na era em que a política foi substituída pela gestão. E o que preocupa essa garotada é a dimensão do poder invisível. O lema deles é: "Quem manda são os mercados, mas eu não votei neles". Em todo o mundo, o protesto dos "black blocks" não é contra o Estado, mas contra o sistema.

A economia de mercado precisa estar em constante de expansão para subsistir. Só que os recursos do planeta são limitados e estamos no fim da linha. Junte-se a isso o problema dos financiamentos de campanha que transformou política em show business e você começa a entender a desesperança que leva essa rapaziada ao mano a mano.

Há um certo cinismo em invadir loja para roubar Abercrombie e iPod. Mas é preciso entender que o conceito de propriedade (intelectual) mudou com a internet e que o jovem da periferia não quer ser o palestino do seu tempo. Ele tenta diminuir a importância de relações baseadas no consumo. Sua militância usa uma nova linguagem baseada no escárnio pela posse. Mesmo que esteja trajando o mais caro agasalho da Puma. Ele não se ilude de ser impermeável ao marketing.

Você pode achar moralmente questionável, eu concordo. Mas quanto mais distante estivermos de compreender e comunicar, mais vantagem daremos ao verdadeiro carcinoma. Que, a esta hora, deve estar se retorcendo de rir no happy hour do Piantella ou no jatinho executivo.


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