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Entrevista Julita Lemgruber

Situação de presídios expõe guerra contra a pobreza

Enquanto poderosos se preocupam com o próprio umbigo, pobres vão para cadeia, diz ex-diretora de prisões do Rio

ELEONORA DE LUCENA DE SÃO PAULO

Quem é preso e morto são os pobres, os negros, os favelados. O que existe é uma guerra contra a pobreza. Quem tem poder na sociedade está preocupado com o seu próprio umbigo. Corações e mentes não se mobilizam pela questão penitenciária.

Essa é a questão de fundo da crise exposta no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, na análise da socióloga Julita Lemgruber, 67.

Coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, ela foi diretora-geral do sistema penitenciário do Rio de 1991 a 1994.

Para ela, a superlotação das prisões, combustível para as tragédias, ocorre pelo estrangulamento do sistema: muitos estão presos provisoriamente de forma ilegal e outros tantos não conseguem livramento condicional.

"Essa máquina não funciona e é perversa", diz.

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Folha - Como a sra. avalia a situação no Maranhão?

Julita Lemgruber - A superlotação é combustível certo para tragédias. A situação do Maranhão é limite: presos são tratados com extrema crueldade. Isso naturalmente provoca uma ebulição interna, que acaba transbordando para fora dos muros.

Por que há superlotação?

Ela é resultado de dois problemas, um na entrada e outro na saída. Um percentual enorme de presos provisórios está preso ilegalmente.

No Rio, acabamos de fazer um estudo. Quase 50% deles estão presos ilegalmente: ou foram absolvidos ou tiveram uma pena diferente de prisão. Isso se repete no Brasil.

Por que a situação se repete?

Porque quem é preso no Brasil é preto, pobre, negro, favelado. Corações e mentes não se mobilizam pela questão penitenciária. Quando um político diz que a violência está contida nos muros, o que está dizendo é: "Não nos preocupemos; se eles se matarem o problema é deles". Nunca a violência está contida dentro dos muros. Quando ela chega a esses níveis insuportáveis, transborda dos muros.

Qual é a segunda causa da superlotação?

Um número enorme já tem direito a benefícios. Mas eles não são concedidos porque esses presos não têm defesa adequada. Em alguns Estados, levantamentos mostram que 50% teriam direito a livramento condicional. Essa máquina não funciona e é perversa: joga para dentro com muita facilidade e tem um funil estreitíssimo do outro lado.

Construir prisões adianta?

A primeira coisa é resolver o estrangulamento do sistema penitenciário, que acontece na entrada e na saída. Para isso, não é preciso fazer novas unidades.

A sra. comandou sistema penitenciário do Rio nos anos 1990. A situação hoje é pior?

Piorou muito porque o número de presos triplicou nos últimos 15 anos no Brasil. E o de presos condenados por tráfico triplicou em cinco anos. É o pequeno traficante, que não tem poder na estrutura do tráfico e é facilmente substituído. Estamos enxugando gelo.

E a legislação?

Ela diz que o usuário não é mais penalizado com prisão. Mas se for negro e morar na favela, mesmo que seja encontrado com pequena quantidade, vai para a cadeia.

Os EUA estão começando a legalizar a maconha porque estão se dando conta de que estão enxugando gelo. E ficamos repetindo que vamos resolver os nossos problemas através de uma guerra de drogas. Na verdade, é uma guerra à pobreza, porque quem é preso e morto são os pobres.

Como a sra. avalia a questão das facções nos presídios?

Quando se trata pessoas com tanta brutalidade e desumanidade, elas respondem violentamente. Em São Paulo há unidades onde as mulheres ainda usam miolo de pão como absorvente higiênico.

Qual é a questão de fundo que faz o problema persistir?

Ele persiste há tanto tempo porque nossa sociedade é profundamente hierarquizada. Há cidadãos de primeira, segunda, terceira classe e os não cidadãos --pessoas sem voz e consideradas sem direito.

É uma sociedade em que quem tem poder está preocupado com o seu próprio umbigo. As pessoas que vão para as cadeias e são vítimas da violência policial são pobres, não têm nenhum poder. Essas crianças mortas na favela quando a policia entra atirando... Imagina se morassem em Ipanema ou Leblon!

O que o governo deveria fazer no Maranhão? Intervenção?

Mais importante é mandar um grupo de juízes e promotores. É preciso ter mutirões, forças-tarefas permanentes. É claro que em momentos trágicos, como esse, é preciso entrar, mostrar autoridade, recolher as armas e impedir que os presos se matem.

Fazer intervenção no Maranhão sem que se cuide da gangrena que é o funcionamento do sistema de justiça criminal não adianta nada.


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