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Diário do crack

Por cinco dias, a Folha acompanhou três dependentes e registrou os percalços da adaptação ao programa da prefeitura que tenta recuperá-los

ARETHA YARAK FABRÍCIO LOBEL DE SÃO PAULO

Há pouco mais de uma semana, Narciso Rodrigues, 46, ganhava o suficiente para sustentar o vício em crack vendendo doces no semáforo. Como teto, ele tinha um barraco na "favelinha" da cracolândia, na região central de São Paulo.

"Agora, minha vida mudou", diz ele. Narciso é mais um dos 316 usuários de crack da região que integram o programa Braços Abertos.

O projeto da prefeitura, inciado no dia 16, busca recuperá-los oferecendo tratamento, moradia e trabalho.

Mas, apesar do tom otimista de Narciso e da maioria dos inscritos, a primeira semana mostrou que a recuperação deles não será fácil.

A Folha acompanhou o dia a dia de três participantes. Eles oscilaram entre a esperança de largar o vício e crises provocadas pelo consumo da droga e a vida precária na cracolândia.

Também tiveram a rotina afetada pela ação da Polícia civil na quinta-feira, que provocou um confronto entre policiais e usuários e uma crise entre prefeitura e Estado.

Entre idas e vindas, Narciso vive na área há 30 anos. Hoje, perambula em uma cadeira de rodas. Há 17 anos, na prisão, ele pegou meningite e perdeu parcialmente o movimento das pernas.

Na segunda-feira, Narciso vestiu o uniforme azul, as botas, o boné e saiu para trabalhar. Por dia de serviço, ele e os colegas ganham R$ 15.

"Acordei 6h30, mas veja só, não sabiam qual era minha função." Os médicos proibiram que ele empunhasse uma vassoura e ele acabou atuando como fiscal do trabalho dos colegas.

No fim da tarde, foi, sozinho, à UBS Santa Cecília. "Minha mulher está internada. Passou mal de tanto fumar. Eu falo para ir devagar, mas está difícil tirar ela dessa vida."

No dia da confusão com a polícia, ele estava no fluxo (local de venda e consumo).

"Eles vieram para cima, precisei de ajuda para fugir", diz. No fim do dia, após terminar o relacionamento com a mulher, ele mergulhou no crack. "Fumei o dia todo."

Na sexta, ele não foi trabalhar. Com os R$ 120 do pagamento --todos receberam o valor completo de uma semana-- pagou uma diária num quarto com uma amiga e se trancou. "Quero descansar."

Assim como Narciso, Dayane Auxiliadora, 25, teve uma semana difícil, dividida entre a vontade de levar a sério o programa e a vida pessoal desestabilizada.

"Queria ter ido visitar meu filho na quarta, mas não consegui", diz. O menino de um ano vive com uma amiga.

Na terça, ela foi encontrar colegas na praça da República, chegou em "casa" encharcada da chuva e apanhou do marido. Grávida de um mês e meio, apanha quase todos os dias, diz. Na sexta, ela não conseguiu trabalhar.

Com o dinheiro do programa comprou produtos de limpeza e tinta ruiva para os cabelos. "Ainda não fumei essa semana, põe aí." Ela ainda bebe, usa maconha e tíner.

Silvana Paiva, 44, foi uma das primeiras a ter um quarto. "É uma grande oportunidade. Não vou ao fluxo essa semana. Quer apostar?"

Ela passou mal de quarta a sexta e não conseguiu trabalhar. "Na quarta eu estava com o intestino solto. Na sexta, minha vesícula atacou", diz. "Mas semana que vem estou firme no trabalho."

Silvana diz que já pediu ajuda à família diversas vezes, mas eles se recusaram. Dos seis filhos, três estão presos.

Narciso, Dayane e Silvana dizem querer largar o vício. Mas têm enorme dificuldade em lidar com a abstinência e a vida desestruturada.


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