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'Eu a perdoo', afirma ator reconhecido por engano por vítima

Após 16 dias de cadeia, jovem afirma que erro em identificação 'pode acontecer com qualquer pessoa'

Condições de higiene da prisão no Rio 'são desumanas', diz rapaz, que dormiu sobre pedaço de papelão

BRUNO CALIXTO DO RIO

Depois de 16 dias dormindo sobre um pedaço de papelão no chão, em uma cela com outros 15 detentos e apenas três beliches, o ator e vendedor Vinícius Romão de Souza, 27, foi solto ontem à tarde.

Ele foi preso no dia 10 de fevereiro, após ter sido reconhecido pela copeira Dalva Moreira da Costa como o homem que roubara sua bolsa.

Na terça-feira, em novo depoimento à polícia, ela disse que se enganou ao reconhecê-lo como o ladrão.

"Eu a perdoo. Quero que Deus a ilumine, que tudo dê certo na vida dela. Ela cometeu um erro que pode acontecer com qualquer pessoa", disse Souza.

À noite, ele recebeu a Folha para uma entrevista em sua casa, no Méier, zona norte. Vestia a camisa do Flamengo. De lá, seguiu para aproveitar sua primeira noite de liberdade no Maracanã, assistindo o jogo de seu time contra o equatoriano Emelec.

Leia abaixo trechos da entrevista.

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Folha - Como foi na noite em que você foi preso?
Vinícius Romão - Estava voltando do trabalho e dona Dalva [Moreira da Costa, a copeira que o acusou de ter roubado sua bolsa] estava com dois homens, um deles policial. Quando passei, percebi que ela e o policial me encararam e ela disse "Ah, foi ele, foi ele".
Daí o policial apontou a arma para a minha cabeça, mandou eu abaixar e colocar a mão na cabeça. Eu falei "Pô, braço [gíria para homem forte], vocês estão pegando o cara errado".
Ele pegou minha carteira de identidade, chamou o 190 [telefone da Polícia], fui colocado em um carro da polícia e levado para a delegacia.

O que aconteceu então?
Lá me colocaram na cela e só de manhã, no outro dia, fiz o depoimento e liguei para o meu pai, que foi lá. Dormi sozinho. Era um quadrado, com um banquinho, um ferro para algemar, um lugar para fazer as necessidades, do tipo um vaso no chão, uma porta com uma janelinha.
No dia seguinte fui para a casa de Detenção [em São Gonçalo, região metropolitana do Rio]. Lá, todas as refeições eram feitas na cela, assim como o banho. O vaso sanitário também era no chão, no mesmo lugar.
Quando cheguei ao presídio, rasparam a minha cabeça e perguntaram a qual facção eu pertencia, e eu respondi que era neutro.

Com quem você dividiu cela?
São pessoas que perderam a fé, mas ao mesmo tempo falam muito sobre Deus, sobre não saber o que acontece aqui fora. Eles pareciam ter remorsos do que fizeram. Eram pessoas detidas por tráfico de drogas, por agressões domésticas. Há muitos outros Vinícius lá dentro.

Como você foi recebido?
Entrei na cela com outros dois. Um rapaz que era o mais antigo por lá, um tipo de líder de lá, nos falou quais eram as regras.

E quais eram?
Evitar confusão, evitar conversar com presos de outras celas, porque uma vez parece que houve uma briga, para evitar disse me disse.

Você acha que foi preso por ser negro?
Não, acredito que ela se confundiu. Eu a perdoo. Quero que Deus a ilumine, que tudo dê certo na vida dela.
Ela cometeu um erro que pode acontecer com qualquer pessoa.

É difícil ser negro no Brasil?
É difícil, mas temos que nos unir. Sozinhos, não vamos conseguir. Eu tive apoio dos meus amigos, que lutaram aqui fora enquanto eu lutava lá dentro.
A questão do racismo existe, é fato, não acabou. Mas a gente tem que viver. E o que aconteceu comigo, o fato de não terem me dado chance de responder, de sentar e conversar com o inspetor; a forma como fui abordado. São tantas coisas que ainda não consegui pensar.

Você já sofreu preconceito por ser negro?
Nasci na cidade de Rio Grande (RS) em 1986 e vim para o Rio com 4 anos porque meu pai, militar, foi transferido. Estudei desde o maternal até o terceiro ano no mesmo colégio particular. Um dia, estava na 1ª série, um garoto passou numa van e começou a me insultar, falar da minha cor. Minha mãe, que tinha ido me buscar, tapou os meus ouvidos.


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