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Pasquale Cipro Neto

'O técnico estava previsto para chegar'

O maior nó da má escrita está na falta de nexo e no modo como se entrelaçam as palavras e as ideias

Volta e meia trato de algumas das muitas maravilhas perpetradas contra a língua pelos mais diversos meios de comunicação --sites à frente, bem à frente. Por motivos vários, o pessoal escreve tão mal, mas tão mal que acaba deixando perdido o pobre leitor que costuma acreditar no que está escrito num meio de comunicação.

Não se trata apenas de problemas gramaticais, como um ou outro caso de concordância ou de grafia. O maior nó da má escrita está na falta de nexo e no modo como se entrelaçam as palavras e as ideias.

Vou citar dois casos publicados recentemente. O primeiro deles é a maravilha que está no título desta coluna: "O técnico da TAP estava previsto para chegar a Cabo Verde na madrugada desta segunda-feira...". Esse problema, já visto aqui em outra ocasião, virou praga. Não é mais a inauguração de uma obra que está prevista; é a obra que está prevista para ser inaugurada... Trocando em miúdos: em vez de "A inauguração da ponte está prevista para o fim do ano", ouve-se/lê-se algo como "A ponte está prevista para ser inaugurada no fim do ano".

O que talvez explique a "novidade" é o fato de o falante/redator querer dar ênfase ao elemento que ocupa o foco das atenções, ou seja, a ponte, que, por isso, é transformada em sujeito e posta no início da frase. O que acabei de dizer explica (ou talvez explique) o desvio, mas não o justifica. Em se tratando da norma culta formal, não ocorre "A ponte está prevista para ser inaugurada no fim do ano"; o que ocorre mesmo é "A inauguração da ponte está prevista para o fim do ano".

No caso do título desta coluna, é no mínimo engraçado imaginar que um técnico (ou seja, um ser humano) está previsto para seja lá o que for. Se o caro leitor quer escrever em português formal, troque a redação dada pelo site por "A chegada do técnico da TAP a Cabo Verde está prevista para a madrugada...".

Agora veja esta outra pérola, também publicada num site: "Os corpos foram encontrados um ao lado do outro. Segundo o delegado responsável pelo caso, o crime se trataria de uma execução". Além do abominável uso do futuro do pretérito ("trataria"), totalmente desnecessário, já que se deixa claro que quem faz a afirmação é o delegado, a construção "O crime se trataria de uma execução" apresenta uma estrutura um tanto "bipolar".

Explico: ou se escreve "Segundo o delegado responsável pelo caso, o crime é uma execução", em que se determina "o crime" como sujeito de "é" ("O crime é uma execução"), ou se escreve "Segundo o delegado responsável pelo caso, trata-se de uma execução", sem "o crime", que fica subentendido por tudo que certamente se relatou antes.

Em se tratando do padrão culto formal da língua, nada de "Essa visão trata-se (ou se trata') do resultado de uma longa pesquisa...". Que tal trocar isso por "Essa visão é o resultado de uma longa pesquisa..." ou "Trata-se da visão resultante de uma longa pesquisa..."?

Aproveito para lembrar que, no caso visto acima, o verbo "tratar" não sai da terceira pessoa do singular, qualquer que seja o tempo de sua flexão: "Trata-se de obras de primeira grandeza"; "Tratava-se de pessoas irascíveis"; "Trata-se de técnicas milenares"; "São obras pífias; caso se tratasse de obras magnas, a conversa seria outra". É isso.


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