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Cotidiano

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Luís Francisco Carvalho Filho

Paz no Rio

Como pacificar se a polícia que o governo maneja é essencialmente corrupta e agressiva?

Na linguagem militar, errar o alvo e acertar uma escola é efeito colateral. Guerras são declaradas em nome da paz. Golpes de Estado são perpetrados em nome da democracia.

Temos o hábito de suavizar pela palavra o sentido dos acontecimentos. Na vida privada e na vida pública. Serve para confortar, enganar e até arrefecer o senso moral.

No papel, nossos presos são tratados como reeducandos. Crianças e adolescentes não são presos, apreendidos. Não cumprem pena, recebem medidas socioeducativas. Não haverá pena de caráter perpétuo no Brasil, diz a Constituição. Mas Champinha, famoso pela barbaridade que cometeu em 2003, aos 16 anos, não está internado em unidade prisional travestida de "unidade de saúde" para sempre?

Favela é comunidade, e, apesar da autoestima, a vida em uma ou em outra é rigorosamente igual. José Simão consagrou o verbo "tucanar" para os eufemismos da era FHC.

Não é privilégio de um idioma. Há quem defina a América como "The United States of Euphemism", onde pacificar ("pacify") significa também subjugar pela força ("subdue by force").

Há algo errado nas Unidades de Polícia Pacificadoras do Rio de Janeiro. Como pacificar se a polícia que o governo maneja é essencialmente corrupta e agressiva? O que é pacificar? É guerra?

Obviamente, coerção faz parte do enfrentamento da criminalidade violenta. Não se imagina que o armamento pesado e a audácia dos criminosos serão derrotados com flores. Mas a sensação de quem observa de longe é a de que as UPPs geram confiança em quem não habita o morro.

O saldo repressivo, depois que o tráfico se retira para o morro ao lado, quando o território então se "pacifica", alcança gente comum, suspeitos por morar onde moram, vítimas de interminável estado de sítio. A polícia de Cabral não faz em Ipanema o que faz no Complexo da Maré.

A tolerância da população, da imprensa e das autoridades é total. As ocorrências que resultam na elaboração de "autos de resistência", eufemismo para o homicídio praticado por policial em serviço, contam com a presunção generalizada de legítima defesa. Salvo se uma câmera escondida registrar algo diferente. As estatísticas são frias, as corregedorias omissas. Todo tiroteio é inevitável e todas as vítimas são criminosas: será verdade?

Uma política de segurança pública civilizatória desestimula o disparo de arma letal.

O policial que mata, ainda que em legítima defesa, deve ser afastado temporariamente das ruas para avaliação psicológica (não corporativa) do trauma, reciclagem e apuração rigorosa do fato. Fingir que nada aconteceu pode transformá-lo em personagem do cineasta Quentin Tarantino.

A morte de Claudia Silva Ferreira, depois de tomar um tiro de fuzil, ser jogada no porta-malas da viatura e arrastada pelo asfalto não é caso isolado, como deixa transparecer o pedido de desculpas do governador.

Os soldados envolvidos têm uma coleção de "autos de resistência". Estavam na rua, armados até os dentes, acostumados a atirar, contando com os olhos fechados dos superiores. Quantos policiais nas mesmas condições participam da pacificação do Rio de Janeiro? Danem-se os efeitos colaterais?

É importante dar nome aos bois. O problema está no comando.


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