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Cotidiano

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Antonio Prata

Horário de almoço

O gordão sai do boteco e dá uns tapinhas na barriga, como se parabenizasse um cão que trouxe a bolinha

Os crachás eles guardaram -um meteu no bolso da camisa, outro no da calça, outro virou pras costas e cobriu com o casaco-, mas as fitas vermelhas estão todas à mostra, anunciando que não são meros pedestres, são funcionários de uma empresa. Na frente vêm a gostosona e o pegador. Ela oferece o Corneto, ele dá uma mordiscada e devolve. Logo depois, passam um gordinho careca, um magrelo dentuço e duas moças risonhas, conspirando por trás de suas palhas italianas: "Nada, o Cléber tá pegando é a Gisela, do RH!" "Mas que a Vanessa tá querendo... Ó lá, se abrindo toda?!" "Ah, se é eu..." "Se enxerga, Arthur!".

No sentido oposto vêm três jovens do mercado financeiro. Ternos bem cortados, pomada nos cabelos, sapatos refletindo o sol do meio-dia. Os de crachá vermelho saem do caminho. Os jovens do mercado financeiro olham pra gostosona. A gostosona olha pro Corneto. As moças risonhas olham pros jovens do mercado financeiro. O gordinho careca e o magrelo dentuço olham pro chão. O pegador olha pra frente e roça de leve na braguilha. Os jovens do mercado financeiro passam sem pressa, em silêncio.

Por um tempo a calçada fica vazia. Duas pombas atravessam a rua e bebem a água preta de uma poça. Uma delas bica uma bituca, pensa melhor, solta. Os estudantes de medicina se aproximam, em seus jalecos: um oriental, um ruivo, uma loira. Devem ter pouco mais de 20 anos, mas parecem a léguas da adolescência. "Que se dane a família! Primeiro entuba a velha, depois vê o que faz." As pombas esperam até que eles cheguem bem perto e saem voando, entediadas.

Duas garotas de uniforme escolar vêm logo depois dos estudantes de medicina. Fumam, conversam e teclam ao celular, ao mesmo tempo: "Tipo, cara, se ele falou que, tipo, ele ia, tipo, de boa, mas, tipo, não é porque, tipo, ele vai que eu, tipo, tenho que ir". Uma matraca anuncia o carrinho de doces, dobrando a esquina. As garotas de uniforme escolar param e esperam. "Que que é isso, tio, pudim?" "É bolo de mandioca" "Tem glúten?" "Vou ficar te devendo" "Não, tio: bolo de mandioca tem glúten?" Antes que venha a resposta, uma garota puxa a outra e elas saem andando, fumando, conversando e teclando no celular, ao mesmo tempo.

Um gordão sai do boteco, no meio do quarteirão. Tira um palito do bolso, mete na boca. Puxa a calça, dá uns tapinhas na barriga, como se parabenizasse um cachorro que acabou de trazer a bolinha. Três vendedoras vêm se equilibrando em seus saltos, com saias curtas e camisas justas, tomando sundays do McDonald's. O gordão as vê, cospe o palito, chupa uma carninha entre os dentes. Puxa a calça, de novo. Quando as três estão quase diante dele: "E aí, Jaqueline, pensou na minha proposta?" "Para com isso, seu Túlio, eu já disse que eu sou casada" "E eu já disse que eu não sou ciumento!". As três gargalham e passam. O gordão tira outro palito do bolso, mete na boca, sai caminhando na direção oposta: "É sério, Jaqueline! Eu caso!".

As pombas voltam à poça. A outra bica a bituca, pensa melhor, solta. A matraca do doceiro não parece assustá-las. De algum lugar, vem a vinheta do Globo Esporte.


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