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Réveillon de tribos

Virada do ano no Rio teve festa na laje, na areia e no hotel, mas integração com comunidades pacificadas ainda engatinha

ARTUR VOLTOLINI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

O funcionário público Fernando Paiva veio de Niterói com a família para passar o Réveillon numa laje no complexo Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, favela pacificada entre Copacabana e Ipanema.

Ainda na laje, Paiva, 48, disse: "Já deveriam ter acabado com o Vidigal há muito tempo. Não dá para morar numa das melhores vistas do Rio sem pagar por isso. Sabia que só 30% dos cariocas pagam imposto predial?"

Ele se referia à comunidade que brilhava no morro no fim Leblon, pacificada com a Rocinha, em novembro.

Este foi o primeiro Ano-Novo do Rio com todos os morros da zona sul, área mais nobre da cidade, fora do domínio armado de traficantes.

Mas um percurso por eventos na região mostrou que, apesar do oba-oba sobre a classe média subindo a favela, a integração entre os dois lados mal começou.

No Pavão-Pavãozinho, os cerca de 20 turistas na laje de dona Alzira tiveram uma vista do espetáculo melhor do que a da multidão na praia -as nuvens baixas dificultaram a dispersão da fumaça, bloqueando a vista de parte dos 16 minutos de pirotecnia.

Depois dos fogos, quando o celebrado DJ francês David Gueta começou seu set na orla, tanto a multidão molhada quanto as moças de salto alto sob guarda-chuvas brancos na varanda do hotel Copacabana Palace, o Copa, dançavam em êxtase.

Artistas convidados para a festa da revista "Contigo" no hotel já tinham ido embora -assim como o prefeito Eduardo Paes (PMDB).

Às 3h, uma senhora mineira mergulhava sozinha na piscina, enquanto os últimos pedaços de lagosta passavam do ponto no réchaud.

Moradora da Barra da Tijuca (zona oeste), Taine Oliveira ganhou R$ 500 para fazer drinques na festa do Copa, mas estava doida para sair dali e curtir o resto da noite no Vidigal. Tinha ouvido falar que a "energia" de lá ia ser muito boa.

No Réveillon passado, o traficante Oito Oito, irmão mais novo do traficante Nove Nove, foi morto na favela quando o dia já ia claro, numa briga entre criminosos.

Desta vez, não houve homens bêbados e armados, mas também não houve festa na comunidade. A música tocou em poucas lajes e talvez tenha frustrado Taine. No hostel Alto Vidigal, no topo do morro, a festa não encheu.

Às 4h, o som foi desligado nos palcos da orla de Copacabana, e quem comprou os bilhetes especiais do metrô se apinhou em filas pelos corredores da rede. Poucos ônibus e vans circulavam, com pessoas espremidas.

Enquanto isso, no Arpoador, "esquina" entre Copacabana e Ipanema, continuava a festa grátis na areia organizada pelo artista plástico Ernesto Neto, cheia de pessoas bem vestidas. "É uma festa livre, chega quem quer, fica quem gosta", disse o cenógrafo e figurinista Rui Cortez.

Do grupo que subiu o complexo Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, ninguém estivera antes em uma favela. Em fila, estranhavam os degraus e vielas. "Esses são gringos", comentou um morador. Sorridente, um garoto os saudou: "Vocês nunca vão se esquecer desta experiência".

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