Índice geral Cotidiano
Cotidiano
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Pasquale Cipro Neto

'...da prerrogativa ou de competência...'

A prerrogativa é de e a competência é para (prerrogativa de trazer/competência para trazer)

Na coluna de 15 de dezembro, abordei alguns dos aspectos do emprego e do não emprego do artigo definido. O mote foi um poema do português Mário de Sá Carneiro ("Eu não sou eu nem sou o outro / Sou qualquer coisa de intermédio: / Pilar da ponte de tédio / Que vai de mim para o outro"). Concentrei a análise no passo "Pilar da ponte de tédio", especificamente na presença do artigo definido antes de "ponte" e na ausência do artigo antes de "tédio".

Vimos que a ausência do artigo antes de "tédio" deixa claro que o tédio é a matéria de que se compõe a ponte "que vai de mim para o outro". Temos aí o mesmo processo que se vê em "gotas de água", "bola de fogo", "coração de papel" etc.

Pois bem. Na primeira fase de seu vestibular de 2012, a Fuvest elaborou uma questão baseada no seguinte trecho de uma entrevista concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa à "Veja": "Entrevistador: -O protagonismo do STF dos últimos tempos tem usurpado as funções do Congresso? Entrevistado: -Temos uma Constituição muito boa, mas excessivamente detalhista, com um número imenso de dispositivos e, por isso, suscetível a fomentar interpretações e toda sorte de litígios. Também temos um sistema de jurisdição constitucional, talvez único no mundo, com um rol enorme de agentes e instituições dotadas da prerrogativa ou de competência para trazer questões ao Supremo".

A questão era esta: "No trecho 'dotadas da prerrogativa ou de competência', a presença de artigo antes do primeiro substantivo e a sua ausência antes do segundo fazem que o sentido de cada um desses substantivos seja, respectivamente: a) figurado e próprio; b) abstrato e concreto; c) específico e genérico; d) técnico e comum; e) lato e estrito".

Antes que alguém pergunte, é bom lembrar que "lato" significa "de grande amplitude, não restrito" ("Houaiss") e que "estrito" significa o contrário, ou seja, "restrito, preciso, que não comporta ampliação, extensão ou analogia" ("Houaiss").

Vamos voltar ao trecho do texto que nos interessa: "...com um rol enorme de agentes e instituições dotadas da prerrogativa ou de competência para trazer questões ao Supremo". O candidato deveria perceber a seguinte sutileza: embora a frase publicada seja "dotadas da prerrogativa e de competência para trazer questões ao Supremo", a prerrogativa é de e a competência é para (prerrogativa de trazer/competência para trazer). Temos aí um dos clássicos casos de emprego de complemento único para termos de regência distinta, cujo resultado nem sempre é satisfatório.

Pois bem. Se nos ativermos ao que pede a Fuvest, veremos que a prerrogativa ("direito especial, inerente a um cargo ou profissão", de acordo com o "Houaiss") é específica (trata-se da prerrogativa específica de levar questões ao Supremo).

Quanto ao termo "competência", vejamos o que diz o "Houaiss": "Qualidade legítima de jurisdição ou autoridade, conferidas a um juiz ou a um tribunal, para conhecer e julgar certo feito submetido à sua deliberação dentro de determinada circunscrição judiciária". A levar em conta a frase publicada, deve-se entender a ausência de artigo em "dotadas de competência" como se entende em construções como "dotadas de poder", "dotadas de força", "dotadas de sentimento", "dotadas de talento" (os dois últimos exemplos foram sugeridos por Thaís Nicoleti de Camargo, companheira de trabalho nesta Folha).

O caro leitor certamente já concluiu que a resposta é "c". É isso.

inculta@uol.com.br

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.