Mulher de Abdelmassih não vê quem ele é, diz ex-paciente
Para estilista que afirma ter sido estuprada em 1993, Larissa é 'vítima de cegueira e ganância'
Vanuzia Lopes diz que mulher do ex-médico condenado por estupro 'vai sofrer demais quando ela acordar'
Era o ano de 2010 quando Vanuzia Leite Lopes, 54, uma das primeiras vítimas a relatar os abusos cometidos por Roger Abdelmassih, iniciou uma verdadeira "caçada" pela internet em busca de pistas do ex-médico, então foragido.
Desde então, a estilista passou a receber relatos de outras vítimas do ex-médico condenado a 278 anos por estupro e atentado violento ao pudor.
Para ela, a mulher do ex-médico, Larissa Sacco Abdelmassih, que concedeu entrevista à Folha, "é vítima da cegueira e da ganância". "Abro meus braços para quando ela acordar, vai sofrer demais."
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Folha - Você diz que fez uma caçada' a Roger Abdelmassih. Quando isso começou?
Vanuzia Leite Lopes - Quando saiu o habeas corpus dele. Montei uma página [na internet] para localizar vítimas. E aí comecei uma caçada mesmo. Quando soube que ele tinha se casado [com Larissa Sacco], pensei que ela era vítima dele. Tentei procurá-la para explicar quem ele é, mas nunca me deu ouvidos.
O que mudou desde que ele foi encontrado no Paraguai?
Foi uma exposição excessiva [das vítimas]. Não estávamos preparadas.
Em interceptação telefônica, Abdelmassih chama as vítimas de "loucas". Diz que "a mulher jogava o milho, ele ia comer e levava ferro".
Vou pedir perícia nessas gravações e denunciar o psiquiatra [com quem Abdelmassih conversa]. Ele é médico, e se ouviu outro médico dizer que cometeu crimes contra a ética, não deveria ter feito brincadeiras. Nessas gravações, ninguém observou a parte mais importante, em que ele diz "sou comedor, (...) elas estavam disponíveis". Ali, no meu caso, e de diversas pacientes que estavam desacordadas, ele confessou o crime. Eu estava sem calcinha, fazendo tratamento, dormente. A "disponibilidade" para ele era essa.
Como aconteceu com você?
Foi em 1993. Ele sempre me elogiava, falava que era bonita. Mas nunca pensei que um médico fizesse isso [estupro]. Só soube porque o remédio para dormir não fez efeito o tempo todo. Quando acordei, ele estava em cima de mim. Estava com o ânus sangrando e cheia de esperma. Fiquei chocada. Tentava me desvencilhar, fui empurrando. Consegui colocar a roupa e saí chorando, desesperada. De lá, fui a uma delegacia e me encaminharam para exames.
Depois disso, você chegou a encontrá-lo?
Depois disso aconteceu um fato terrível. Como ele fez sexo anal e vaginal, e tinha me dado muito hormônio, meu ovário estava hiperestimulado e preparado para multiplicar tudo que recebesse. Ele multiplicou uma bactéria. Dez dias depois, eu já estava quase morta. Tiraram minhas trompas e ovário, que infeccionou. Fiquei quarenta dias no hospital. Nunca mais o vi, mas soube que esteve lá.
Larissa questiona por que as pacientes voltaram à clínica após os abusos.
Vou responder por todas, embora não tenha esse direito. Muitas venderam tudo que tinham, porque é um estigma dizer que só as que iam à clínica eram ricas. Não. Uma delas vendeu até o apartamento. As que estavam desacordadas não tinham certeza, e as que descobriram, pararam. E outras que foi beijo, cantada, voltaram, com outros médicos. Não quiseram ser atendidas por ele.
A defesa de Abdelmassih costuma dizer que ele foi condenado sem provas.
Ele foi condenado a 278 anos por estupro. São as provas mais difíceis, porque você é pega de surpresa. O que vale em qualquer caso de violência sexual é a palavra da vítima, ainda mais se tiver riqueza de detalhes, como no caso. Foram 37 vítimas na sentença, mais testemunhas. A juíza avaliou cada palavra, cada gesto. Tudo isso está no processo e vale como prova. Ela [Larissa] é que nunca leu o processo, porque é sigiloso. O dia que ler, como procuradora que é, se tirar os olhos da cifra, vai ver esses relatos.
Acha que ela foi ludibriada?
Sinceramente, eu achava que ela era vítima, até a entrevista de ontem. Mas abro meus braços para quando ela acordar, porque ela vai sofrer demais. Eu sei o que é sofrimento. Engordei 70 kg, por medo, pelas ameaças [chora]. Quando os filhos souberem o que ela fez, e cobrarem isso, vai sofrer. E nesse dia ela pode me procurar, não vou julgá-la. Mas hoje me sinto indignada. Acho que ela é vítima da cegueira, de não enxergar essa monstruosidade toda. E da ganância. Honra como a minha não tem preço. A dele é R$ 10 mil, R$ 50 mil, como ele diz na gravação.
Um recurso da defesa deve ser julgado. Teme que seja solto?
Depois do que o Gilmar Mendes [que concedeu habeas corpus a Abdelmassih em 2009] fez, eu temo tudo. Fiz uma moção de repúdio e eu estou fazendo abaixo-assinado para a desarquivarem. Não estou atrás de indenização. Apenas quero que nunca mais se dê habeas corpus a nenhum estuprador sem que se olhe o processo todo e o dano que vai causar às vítimas.