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Natália se livrou da droga pela pequena Ingrid

Após perder uma filha, jovem de 26 anos deixou o crack com o nascimento do segundo bebê

LAURA CAPRIGLIONE
MARLENE BERGAMO
DE SÃO PAULO

A pequena Ingrid Andréia, de três meses, é um bebê risonho, que solta gritinhos de alegria cada vez que ouve o disparo da câmera fotográfica. Mas uma quase imperceptível mudança de tom, captado pela mãe, Natália Pereira Joaquim, 26, e o peito se abre.

Essa madona negra, nem parece, fumou crack até último dia de gestação. Começou a sentir as dores do parto, e seu companheiro, Leandro dos Santos, 33, ainda sugeriu: "Vamos catar papelão, vender, e a gente compra a pedra para passar a dor".

Não deu tempo. Bolsa estourada, Natália foi correndo para a maternidade do Amparo Maternal, onde Ingrid Andréia nasceu. Desde então, a mãe está limpa, sem crack.

Hoje com 98 kg, Natália chegou ao hospital com 32 kg. Era um caco. Ela e o companheiro chegaram a fumar juntos R$ 1.800 reais da droga em apenas um dia. Para sustentar a dependência, faziam bico como catadores, mendigavam. Natália se prostituía.

O crack entrava na circulação como fumaça, mastigado, dissolvido na pinga. O casal morou na chamada "Mansão do Crack", um antigo palacete no meio da cracolândia, em que 300 dependentes dormiam, comiam e consumiam a droga, cercados por ratazanas e restos podres.

"Mergulhei fundo. Mais fundo depois que perdi a Adelaide Vitória, minha filhinha, com um mês e meio de vida. Ela teve sopro no coração e eu sei que a culpa foi minha. Não consegui largar a droga."

O crack entrou na vida de Natália por insistência do companheiro. "Ele me ofereceu uma vez, duas, três, quatro. E eu recusei. Mas, na quinta, experimentei. Que coisa mais gostosa."

A mãe dela, evangélica, só percebeu que algo estava errado com a filha porque ela emagrecia sem parar.

Grávida mais uma vez, desta vez de Ingrid Andréia, Natália queria cuidar da criança. Prometia que depois do parto largaria tudo.

Foi por isso que ficou com medo quando, aos cinco meses de gestação, uma mulher se aproximou dela, prometendo ajudá-la no que precisasse. A mulher, chamada Andréia, deu seu cartão a Natália. Podia telefonar a qualquer hora. "Achei que ela queria roubar meu bebê", lembra-se Natália.

O cartão acabou perdido nos "corres" do crack. Mas Andréia procurou-a novamente. Disse que era voluntária no Amparo Maternal e que mãe e filha poderiam morar provisoriamente, até se estruturarem, no centro de acolhida que a Igreja Católica mantém na Vila Mariana, zona sul da capital, junto à maternidade. São cem vagas -ontem, havia 85 ocupadas.

Na rua, já haviam explicado a Natália que, se desse à luz em qualquer outro hospital, o bebê lhe seria tomado e enviado para um abrigo.

"Tenho, é claro, toda compaixão pela mãe, mas preciso pensar na segurança do recém-nascido. E uma mãe dependente química, moradora de rua, não pode garantir o mínimo que a criança necessita."

O testemunho é do promotor de Infância e Juventude de São Paulo, Luiz Carlos Rodrigues de Andrade, que na maioria dos casos pede à juíza que proíba visitas da mãe à criança abrigada. "Para não criar vínculos mesmo", diz.

No Amparo Maternal apenas porque lhe apareceu pela frente uma tal de "dona Andreia", Natália agora faz planos. Vai morar com a sogra, que já providenciou um quartinho para ela e a filhinha (o companheiro está preso).

Pretende trabalhar como manicure. "Eu nunca me senti tão bem e tão feliz quanto agora", diz. "Se tivessem me tirado a Ingrid Andréia, eu não aguentaria." E aperta a menina carinhosamente em seu colo amplo de mãe.

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