O homem da sala
Concurso para professor na rede estadual de São Paulo tem 3.633 candidatos masculinos, entre 77 mil inscritos
De repente, Henrique Souza, 24, percebeu, sem querer, o que representa: a única figura masculina para muitos meninos na sala de aula.
Minoria num universo predominantemente feminino, o professor do 5º ano do ensino fundamental faz parte de um contingente que timidamente vem se expandindo, mas que pode dar um salto a partir do próximo ano.
Entre os 77 mil inscritos para o próximo concurso do Estado, 3.633 são do sexo masculino. Parece pouco, mas é mais do que o quádruplo dos atuais 740 dando aula do 1º ao 5º anos na rede pública --o universo total é de 31 mil.
Os candidatos disputam 5.734 vagas na capital paulista e região metropolitana, além de Campinas, Ribeirão Preto e Vale do Paraíba.
Após a classificação no processo seletivo, os candidatos a professores ainda precisam passar por avaliação de títulos. É o mesmo caminho que Henrique percorreu há pouco mais de um ano para assumir o posto na Escola Estadual Frei Paulo Luig, na Vila Guilherme, zona norte.
Ele é o "homem da sala" de uma turma do 5º ano do colégio. Recebe pouco menos de R$ 2.000 para encarar diariamente 30 alunos entre 10 e 12 anos, colocar ordem na casa e ainda fazer o que dele se espera: ensinar.
Entre a algazarra da hora do intervalo, ele confirma que dar aulas é mesmo questão de vocação. "Para mim sempre foi um sonho ensinar, por isso fui fazer pedagogia", afirma Henrique, que deixou a carreira de bancário e uma remuneração de R$ 600 a mais para assumir a sala de aula.
Segundo ele, a presença masculina --que passou de 22,4% para 26,2%, entre 2008 e 2013, na rede-- não tem nenhum tratamento diferente das colegas de profissão e principalmente dos alunos, acostumados às "tias" nos anos iniciais da vida escolar.
Aos poucos, porém, Henrique percebeu que é mais do que professor; ele representa "a figura masculina" para alguns meninos da turma.
"É importante na vida de qualquer criança, e muitos deles simplesmente não têm essa figura na vida", afirma.
Ele é o primeiro professor que Thiago Mateus, 11, encontra em sua trajetória escolar --descontando-se os da aula de educação física.
Apesar de reconhecer que "o homem da sala" é linha dura --"já chamou o inspetor e me mandou para diretoria"--, não reclama. "É melhor ter aula com homem porque mulher sempre defende mulher", diz, sério. "Lá em casa são três e sou só eu de menino."
DESCONFIANÇA
Mais do que a vontade de lecionar, no entanto, assumir o posto em frente ao quadro negro exige disposição para encarar outro problema: a desconfiança de alguns pais.
Antes de ser aprovado no Estado, Henrique trabalhava em um colégio particular na Vila Leopoldina, zona oeste.
Ao contrário da receptividade que encontrou na Vila Guilherme, recebeu logo de cara a informação de que pais dos alunos não aprovavam a convivência diária entre um homem adulto e crianças.
"No Estado nunca tive esse problema, mas na escola particular os pais reclamaram muito no começo", afirma. "Eles não gostaram nada da ideia, pois diziam que havia muitos casos de pedofilia que viam na mídia."
Foi preciso tempo para superar as desconfianças, diz.
Deu certo. "A aula dele é bastante diferente, corre atrás para ensinar", garante Khalil Hussein Issa, 13, que confirma a fama de linha dura. "Não dá para fazer tudo o que dá nas outras aulas."