Raquel Rolnik
Crise da água: problema nosso
A escassez de água tem efeitos sociais, e a decisão de quem arcará com as maiores perdas não é técnica, e sim política
A possibilidade concreta de desabastecimento de água que estamos enfrentando em São Paulo foi finalmente admitida pelo novo presidente da Sabesp, empossado na semana passada. As medidas para enfrentar a crise vão implicar cada vez mais na gestão da escassez, ou seja, na definição de quem, quando e como terá acesso a água. Entretanto, até agora isso tem sido decidido de forma unilateral pela Sabesp e pelo governo estadual, sem que os cidadãos --e os governos municipais envolvidos-- tenham tido a oportunidade de participar dessas definições. A escassez de água tem efeitos sociais, ambientais e econômicos, e a decisão de quem arcará com as maiores perdas não é técnica, e sim política.
Essa situação levou o Conselho da Cidade, do qual sou integrante (juntamente com mais de cem membros da sociedade civil), a debater o tema nos últimos meses e a aprovar, em sua última reunião de 2013, uma Carta Aberta ao prefeito de São Paulo sobre a necessidade urgente de o município se engajar no enfrentamento da crise da água, exigindo do governo do Estado a elaboração conjunta de um plano de contingência (conselhoda cidade.prefeitura.sp.gov.br). Esse plano deve não somente evitar que ocorra um colapso do sistema de fornecimento de água, mas principalmente pactuar, com os cidadãos e seus governos, a definição das prioridades na gestão da escassez.
De acordo com a carta: "A falta de água para as escolas, creches, unidades básicas de saúde, hospitais e outros equipamentos públicos requer iniciativas que articulem distintos órgãos, demandando uma coordenação executiva com poderes para organizar ações conjuntas, com participação da sociedade civil". O Conselho aponta, ainda, 25 propostas emergenciais, que podem ser implementadas rapidamente. Parte delas diz respeito à necessidade de transparência da Sabesp em suas ações. O conselho propõe que "a interrupção, o racionamento, ou ainda, a redução da pressão de fornecimento por períodos determinados têm que ser feitos às claras" e anunciado. E os locais têm que ser identificados previamente, de maneira a permitir que a população se prepare para enfrentar essa situação.
Quantas pessoas não já passaram pela situação de ver a água acabar de uma hora para outra em sua casa, sem nenhum aviso anterior e nenhuma possibilidade de se programar para o período sem água? Quem consome hoje os maiores volumes de água? Como a Sabesp, que até hoje privilegiou a remuneração de seus investidores em detrimento da garantia da água como um direito humano, tem administrado as perdas econômicas decorrentes da crise?
A questão fundamental é que, sem plano de contingência claro e transparente, sem envolvimento das prefeituras de todos os municípios afetados e sem participação da sociedade civil, quando a água acabar --a perspectiva é de que isso vai acontecer-- será necessário definir onde e como haverá abastecimento. Quem vai decidir isso? Nos termos da Carta Aberta, a água é um bem público e assim deve ser tratada pelo Estado e por suas empresas.