Foco Crise da Água
Moradores de prédio em SP 'escutam' canos para vigiar banho dos vizinhos
Administrador do condomínio na região da Lapa pede fim de duchas com mais de 30 minutos e descargas 'ininterruptas'
O agravamento da crise da água começa a exasperar a população de São Paulo.
Avisos em condomínios alertando moradores do esvaziamento da caixa-d'água são comuns. Mas um condomínio na região da Lapa, zona oeste, foi mais incisivo.
Um cartaz espalhado pelo edifício informa que moradores, "preocupados com o racionamento", têm constado condutas irresponsáveis.
"Estão sendo observados, através dos encanamentos, banhos com mais de 30 minutos" e que descargas são acionadas "insistente e ininterruptamente", diz o alerta.
O administrador do prédio, que assina o comunicado, pede, "gentilmente", que os moradores evitem o desperdício, para que não seja necessário recorrer a "meios radicais".
Ele incentiva que todos sejam "guardiões da água".
Uma moradora se disse "surpresa". "Tem uma turminha que não faz nada, que fica controlando. O prédio tem muitos aposentados", palpitou, sobre a origem do aviso.
A fisioterapeuta Catherine Sabbagh, 26, considerou o teor do cartaz "invasivo". "Se eu vou ao banheiro 30 vezes por dia ou uma só, é problema meu", opinou.
"TÁ DIFÍCIL"
No geral, o comunicado foi bem recebido. Uma pesquisadora que pediu para não ser identificada disse que os vizinhos têm de "se policiar uns aos outros".
Para ela, a medida deveria ser até mais rigorosa. "Tem gente demorando mais de dez minutos no banho. Hoje em dia, está difícil."
Diversos condôminos afirmaram à Folha que é possível ouvir o uso da descarga e da máquina de lavar roupas do vizinho do apartamento de cima, mas não o do chuveiro. E que "vai da consciência de cada um" fazer um uso racional da água.
A síndica, servidora aposentada da Receita Federal, disse que "não custa nada" fazer o alerta. Para Elza Silva, 71, é "um aviso geral". "Você não conhece os hábitos de todos os condôminos".
Um outro morador, que também não quis ter o nome publicado, disse que há alguns meses o prédio sofreu um alagamento, porque um vizinho deixou uma torneira aberta por bastante tempo.
O resultado: rolou água pela escada, pelo hall e entrou em apartamentos.
O aviso é "positivo", opinou a designer Patrícia Lobo, 32. "Do jeito que está, tem que ter consciência."
O empresário Leandro Stelitano, 39, que é de Salvador e estava de passagem no prédio na última sexta-feira (30) para visitar a sogra, achou "estranho". "No meu prédio, tem medidor. Você sabe quanto cada apartamento gasta", comparou. Para ele, a reação é um exagero. "No Nordeste, não tem água há 500 anos e ninguém faz nada."
A Folha não localizou a administradora do edifício.