Foco crise da água
Psicóloga ganha seguidores na internet ao documentar falta de água em 'diário'
Desde outubro do ano passado, Camila Pavanelli compila e comenta notícias em seu 'boletim' sobre a crise hídrica em SP
"Hoje é 26 de janeiro e o governo federal estima que as represas paulistas devem secar em quatro ou cinco meses."
Dia a dia, semana após semana. "Hoje é 2 de fevereiro, o sistema Cantareira caiu de 7,2% para 5% desde o começo do ano e a previsão mais pessimista da Sabesp em 2014 era de que, a essa altura, as represas já teriam recuperado boa parte do volume morto."
Começou em outubro como um diário no Facebook. Pouco depois, ganhou uma versão "mais organizada" e semanal em um Tumblr --espécie de blog.
A primeira postagem, em 15 de outubro: "Passada a eleição, a falta d'água já afeta todas as regiões da cidade de São Paulo", ao que se seguiu um link para uma reportagem da Folha naquele dia.
Não parou mais."Não tinha o projeto de fazer um diário. Reuni notícias que tinha lido durante o dia e alguns amigos compartilharam. No dia seguinte tive vontade de novo e, no seguinte, também", diz Camila Pavanelli, 32.
Psicóloga, formada pela USP, ela é a criadora do Boletim da Falta d'Água (boletimdafaltadagua.tumblr.com).
Acabou criando também um acervo onde está parte da memória recente da crise hídrica --com a chuva da última semana, o sistema Cantareira, o principal da Grande São Paulo e que atende 6,2 milhões de pessoas, subiu e chegou a 7,1% neste sábado (14).
"É uma tentativa quixotesca [de dividir informações e reflexões], fadada ao fracasso, mas, para mim, tem sido importante", diz Camila, que divide o tempo entre o doutorado em psicologia da arte, também na USP, e a internet.
Por vezes, após a seleção de notícias compartilhadas, o comentário é em tom de ironia.
Em 17 de outubro, saiu-se com essa: "Não estamos em outubro de 2014. Alckmin aprendeu com o pai que só chove em São Paulo nos meses que têm a letra "r" no nome. Neste mês, choveu até agora 0,4 milímetro, sendo que a média histórica do mês é de 130,8 mm. Estamos, portanto, em 'outublo' de 2014."
Aos poucos, novos seguidores foram aparecendo. Desde outubro do ano passado, pouco mais de 2.000 deles se somaram aos 1.500 que ela já tinha. "Odeio essa palavra", declara. "Mas é o nome que a rede social dá."
"O trabalho dela [Camila] tem sido importante pela compilação e por ajudar a comparar o discurso do governador na época das eleições e agora", diz a professora de geografia Andreia Bianchi, uma das fundadoras da Assembleia Estadual da Água, que reúne 70 organizações, entre ONGs e movimentos sociais.
NA RUA
Eleitora do PSOL no último pleito, Camila diz ser uma ativista contra o que classifica como "negação melancólica" da gravidade da crise da água pelo governo do Estado.
Fotógrafa e presença constante nos protestos contra a falta de água (foram ao menos três desde o final de 2014), Martha Slivak Lu, 43, diz que iniciativas como a de Camila despertam a opinião pública.
"Muitas pessoas acabaram sabendo mais sobre a crise hídrica através do blog", diz Martha, que mantém a página "A Crise da Água em São Paulo", no Facebook.
Na última semana, as duas se encontraram no vão livre do Masp, na Paulista, em manifestação marcada pelo movimento Lute Pela Água.
"Mais que analisar o que está acontecendo, quero participar da construção do que está acontecendo", disse Camila à Folha meia hora antes do início do protesto, que teve confusão e dois detidos.
Não que ela vá abandonar o blog. Na segunda-feira, 16 de fevereiro, tem mais.