Leão Serva
Sua mãe usa ouro roubado de índios?
O combate ao garimpo ilegal em áreas indígenas só será efetivo quando toda a sociedade colaborar
Você provavelmente não ficou sabendo que a Polícia Federal deflagrou na semana passada uma das maiores operações já realizadas contra o garimpo ilegal na Terra Ianomâmi. Não é sua culpa: são realmente tabu na imprensa brasileira as notícias sobre o calvário que sofre o maior grupo indígena com pouco contato do planeta.
A ação teve 313 mandados judiciais contra acusados de formar um esquema criminoso que inclui empresários, funcionários públicos, donos de garimpos, joalheiros e pilotos de aviões. Segundo levantamento do órgão, a mineração tira da área no extremo norte do país (Roraima e Amazonas) duas toneladas de ouro por ano, ao preço estimado de R$ 200 milhões.
A cobertura nula ou discretíssima impediu que a opinião pública se desse conta de uma coincidência macabra: enquanto os policiais prendiam joalheiros por receptação de ouro ilegal na Amazônia, no resto do país, pessoas com dinheiro davam joias a suas mães.
Você comprou joias de ouro nos últimos anos? Ou talvez, para se proteger da inflação, comprou papéis vinculados a reservas de ouro, emitidos por uma Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) como as que atuam na BMF/Bovespa? Pediu alguma garantia de que o metal precioso não foi retirado ilegalmente de área indígena, onde a extração causa mortes de índios?
Todo garimpo em áreas indígenas é ilegal. Ele destrói patrimônio dos brasileiros, terras da União ocupadas por esses grupos para preservar o ambiente. Os índios cumprem sua missão constitucional: fotos de satélite das florestas brasileiras mostram que os parques indígenas estão entre as (poucas) áreas bem preservadas.
Nos últimos anos, as operações da PF denominadas Xawara (2012, em Roraima) e Eldorado (mesmo ano, no Pará e em Mato Grosso) indicaram que um dos destinos finais do ouro são corretoras de títulos: ou seja, o metal também serve como investimento seguro e moderno contra desvalorização da moeda.
A mineração ilegal que alimentou guerras civis e genocídios na África levou à criação de dois convênios internacionais para controle do comércio mundial de ouro e diamantes. O Certificado Kimberley é exigido de quem vende diamantes, para provar que as pedras não vieram de áreas conflagradas. O Padrão Ouro Livre de Conflitos é adotado para o metal.
O Brasil é um produtor de diamantes e ouro, mas o controle da atividade ilegal é pífio: como costuma acontecer com a fiscalização no país, ora é ineficiente, ora corrupta, ou simplesmente não é prioritária. E os dois protocolos internacionais não consideram "zonas de conflito" as áreas indígenas latino-americanas ameaçadas pela mineração.
O Brasil só vai abalar a produção ilegal de ouro e diamantes de áreas indígenas quando a cidadania se preocupar e exigir que os comerciantes tenham uma cadeia de produção limpa de sangue. Como aconteceu com a carne, quando entidades da sociedade civil propuseram um boicote aos açougues que não provassem que seu gado não vinha de áreas de preservação da Amazônia. Rapidamente, os grandes supermercados se submeteram à restrição.
Enquanto isso não acontecer com a mineração, vamos ver índios morrendo de fome e malária enquanto a PF enxuga gelo em repetidas operações de combate ao garimpo, todas inócuas no longo prazo.