Inspiração judaica conduz homens de Herchcovitch

O desfile masculino de Alexandre Herchcovitch foi um dos poucos momentos relevantes desta temporada da São Paulo Fashion Week.

Inspirada nos trajes dos judeus ortodoxos, a coleção desperta o olhar com uma discussão muito perspicaz sobre a questão da fé e da tradição no cotidiano.

Resgatando os lenços, coletes e mantos tradicionais, o estilista criou uma série sofisticada, contemporânea, vendável e bem construída.

Além disso, conseguiu imprimir uma imagem de moda marcante, capaz de gerar tanto desejo de consumo quanto reflexões sobre o papel da roupa na vida em sociedade -coisa que faltou à sua coleção feminina.

Na trilha, estava o grupo Oy Division, que resgata as influências judaicas do Leste Europeu em sua sonoridade e canta em ídiche e russo.

Não se trata de uma banda ortodoxa nem religiosa, mas de um grupo jovem interessado em resgatar as raízes culturais -não necessariamente as crenças e valores religiosos- de seus pais e avós.

A roupa de Herchcovitch conversa diretamente com a ideia por trás da música do grupo. Está conectada com os "cool jews" (judeus cool), termo usado na comunidade judaica americana e que virou até um livro com dicas para adolescentes.

Muitos passaram a fazer questão de usar o quipá, por exemplo, só que em versões modernas e estampadas, como se fosse um boné.

Das belas camisas e vestes com franjas às listras que começam nas mangas -lembrando a faixa que prende o tefilin (acessório que contém trechos da Torá, usado durante as preces) ao braço- e depois viram estampas de jaquetões de nylon, tudo aparece em versão destituída da carga religiosa e suas consequências.

Em Israel e em diversas comunidades ao redor do mundo, há um número crescente de jovens que, embora demonstrem respeito pela cultura judaica e adotem muitos de seus símbolos (como a Estrela de Davi, presente na coleção), não aprovam certos preceitos da religião, especialmente aqueles que guardam relação direta com a guerra contra os palestinos.

O casting ajuda a contar a história, com meninos ruivos e outros com a famosa "barba de judeu", espessa e longa, que é febre absoluta entre os descolados e modernos de São Paulo.

FAMÍLIA

Herchcovitch, filho de uma família de origem judaica, pensa suas raízes a partir do mundo contemporâneo.

O fato de uma tradição milenar religiosa poder, sem nenhum desrespeito, ser usada como base para uma coleção de roupas direcionada a um grupo de consumidores bastante amplo, é por si só digno de nota.

Quando a discussão ultrapassa a passarela e a roupa atiça o desejo do público, está feito com sucesso o trabalho do criador.