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Desabamento no Rio/História

Centro do Rio foi erguido sobre pântanos

Três morros foram derrubados e dois desbastados para abrir espaço; zona central tem 198 imóveis tombados e monumentos

Área onde caíram três edifícios na semana passada foi urbanizada no início do século 20 sobre região de lagoas

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

Boa parte do centro histórico do Rio, incluindo o local onde desabaram três edifícios na semana passada, foi erguido sobre uma região de lagoas e pântanos.

Na paisagem avistada pelo viajante do século 17, o cais da atual praça 15 dava acesso à única esplanada de uma faixa de terra de resto muito estreita, imprensada entre a baía de Guanabara e um conjunto de morros.

Três desses morros foram postos abaixo e dois foram desbastados para o aterramento da área que hoje é urbanizada. Sumiram ao menos cinco lagoas, com nomes como Boqueirão e Desterro.

O movimento só terminou nos anos 1960, quando o morro de Santo Antônio (onde fica hoje o largo da Carioca) acabou de ser derrubado para a abertura da avenida Chile -na qual foram construídas as sedes atuais da Petrobras e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Terras e pedras foram parar no Aterro do Flamengo, desde então a principal ligação entre o centro e a zona sul. Sobrou só a elevação do mosteiro de Santo Antônio.

"A opção por aterrar as zonas alagadas começou no século 17. Vários profissionais propuseram à época que fossem feitos canais, para melhorar o escoamento das águas e drenar o terreno. Não foi a opção de nossos ancestrais", diz o arquiteto e historiador Nireu Cavalcanti, autor de "O Rio de Janeiro Setecentista" (editora Zahar).

Professor de pós-graduação da UFF (Universidade Federal Fluminense), Cavalcanti acha que foi uma escolha errada e que a cidade ainda sofre por causa dela.

"O Rio teria que fazer grandes canalizações, aumentar a tubulação inteira de águas pluviais, para dar conta do volume de água, que aumentou com a redução das florestas urbanas, que retinham águas das chuvas", diz.

Antes do morro de Santo Antônio, foram derrubados os do Senado (mais afastado da baía) e do Castelo.

Os de Santa Teresa e de São Bento (onde fica o mosteiro de mesmo nome) foram reduzidos.

A demolição do morro do Castelo, berço histórico da cidade e o mais extenso deles, marcou a comemoração do centenário da Independência, em 1922. Parte da terra acabou usada na construção do aeroporto Santos Dumont, inaugurado em 1936.

PARIS TROPICAL

A região da Cinelândia, onde ficavam os prédios que ruíram, foi urbanizada no início do século 20, quando o prefeito Pereira Passos (1902-1906) abriu a avenida Central (atual Rio Branco).

Inspiradas nas reformas feitas em Paris pelo barão Haussmann no século 19, as obras de Passos valeram ao Rio a alcunha de "Paris dos trópicos" e dividem especialistas ainda hoje.

De um lado, aponta-se seu caráter higienista, de expulsão da população pobre do centro carioca. De outro, o mérito da criação de grandes espaços públicos.

"É notável a ênfase nos projetos de ajardinamento, modernização de parques públicos e criação de praças", escreve a urbanista Margareth da Silva Pereira, da UFRJ, no livro "Rio de Janeiro - Cinco Séculos de História e Transformações Urbanas" (editora Casa da Palavra).

No centro do Rio, há hoje 198 monumentos e imóveis tombados. É 23% do total da cidade, proporção só menor do que na vizinha região administrativa de Botafogo, que engloba oito bairros (31%).Para Nireu Cavalcanti, porém, a preservação da história é ameaçada por mudanças constantes no planejamento urbano, ao saber de interesses econômicos.

"A opção dos governantes é por ações pontuais e desconexas. Na Olimpíada e na Copa, fortunas do erário serão jogadas em obras faraônicas e supérfluas", critica.

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