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Cumbica, 20 horas

Reportagem acompanhou por quase um dia inteiro como funciona gestão estatal do maior aeroporto do país que vai a leilão amanhã

RICARDO GALLO
DE SÃO PAULO

Com mais gente do que pode abrigar e responsável por uma parte expressiva do transporte aéreo nacional, o aeroporto internacional de Cumbica, em Guarulhos, depende da perfeição para evitar o caos.

Ameaças à normalidade não faltam. O mau tempo, por exemplo, pode entupir o estacionamento de aeronaves e o saguão de passageiros se algum aeroporto, que nem precisa ser Cumbica, fechar. Atrasos de voos em série deflagram impacto semelhante.

A Folha acompanhou 20 horas de operação no aeroporto entre a manhã de quinta e a madrugada da última sexta-feira, em seus últimos dias sob gestão estatal.

SEM LUGAR PARA DORMIR

Às 21h, não há mais vagas no Fast Sleep, que tem 45 quartos para passageiros em conexão e é o único hotel dentro do aeroporto. Dois passageiros esperam algum quarto esvaziar. Um funcionário diz que filas de espera de três horas são normais.

O quarto mais simples, de 3,5 m2, tem duas beliches e sai por R$ 66,15 a hora; para a segunda hora, mais R$ 22. Passar a noite sai por R$ 158,55.

O hotel fica no terminal 2, quase escondido em um corredor ao lado do embarque doméstico. Há quem nem desconfie da existência do hotel, instalado ali há quase cinco anos. Não há placas de sinalização no terminal.

CONTROLE DE PASSAPORTE

Na tarde de quinta, o clima não era problema. A dificuldade estava na parte de dentro, onde cerca de 30 passageiros esperavam na fila de checagem do passaporte. Funcionários de uma terceirizada contratada pela Polícia Federal haviam faltado, o que levou agentes da PF a cobrir a falta de pessoal.

"Faltaram uns 20", diz uma agente. O contrato da PF com a terceirizada está no fim e os funcionários foram avisados da dispensa iminente. Alguns nem apareceram.

Um terceirizado ganha menos de R$ 600 e não precisa falar inglês, embora lide com estrangeiros o dia todo. A nova empresa, diz a PF, começará a trabalhar até 17/2.

Até lá, uma força-tarefa de policiais fará o trabalho.

CAMINHÃO PIPA

O aeroporto, que é de 1985, recebeu 29,94 milhões de passageiros em 2011, quase o triplo de 2003. Desde 2010, o consumo de água supera a produção. O abastecimento vem de poços, mas a extração cai ano a ano. O aeroporto, então, passou a recorrer a caminhões pipa.

A solução só virá com a ligação do aeroporto à rede da Sabesp, diz a Infraero.

O professor Ivanildo Hespanhol, da USP, estuda a possibilidade de reúso da água do aeroporto. É a medida mais barata, diz. Para ele, há risco de desabastecimento se nada for feito até a inauguração do terminal 3, até a Copa.

O orgulho da estatal é a rede de energia suplementar, "que nunca deixou o aeroporto na mão".

LANCHE CARO

Os restaurantes e as lanchonetes do aeroporto de Cumbica estão cheios a qualquer hora. O McDonald's é quem costuma atrair mais gente. Lá, um combo com Big Mac custa R$ 18,75 - o preço ali é mais caro que nas outras lanchonetes da rede.

É o "custo aeroporto", em que as redes repassam o valor do aluguel ao consumidor. O McDonalds paga atualmente R$ 654 mil de aluguel mensal à Infraero. Para combater o alto preço, a estatal quer criar lanchonetes populares.

FALTAM BANCOS PARA SENTAR

A manhã e a noite são os períodos de pico em Cumbica, por onde passam cerca de 160 mil pessoas por dia.

Às 19h o saguão começa a encher, com passageiros a serpentear os balcões das empresas. Perto do check-in, pessoas se espalham pelo chão. "Da última vez que vim aqui tinha banco para sentar", percebe a estudante Juliane Caliari, 20, prestes a embarcar para Belém.

Administradora do aeroporto, a Infraero tirou 150 bancos dos saguões para liberar espaço para áreas de check-in.

Outra razão, diz a estatal, foi a segurança: notou-se que ladrões "batedores" de malas usavam os bancos para observar passageiros. O raciocínio é que, sem bancos, fica mais fácil identificar eventuais criminosos infiltrados no saguão.

Em 2011, três furtos ocorreram por dia em Cumbica.

CAMA IMPROVISADA

Às 3h30, um casal estende uma toalha, deita e dorme. A madrugada é o horário mais calmo do aeroporto, o único em que há voos disponíveis para empresas que queiram começar a operar em Cumbica.

O painel de partidas mostra a lista de voos que está por vir: em poucas horas, tudo começa outra vez.

EMERGÊNCIAS

Na pista, um voo da TAM rumo a Campo Grande (MS) retorna ao aeroporto.

Integrantes de uma excursão do grupo Adrenalina do Instituto Você, de "treinamento e desenvolvimento humano", discutiram com outros passageiros que se incomodaram com a gritaria e os palavrões da turma.

A comissária avisou o comandante da aeronave, que voltou a Cumbica e chamou a Polícia Federal. Após a confusão, cerca de 60 pessoas uniformizadas do Instituto Você foram levadas para a delegacia.

Horas depois, no fim da tarde, um jato parado no pátio é o empecilho para a normalidade do aeroporto. "Manutenção não programada" é a justificativa.

O eufemismo, comum nas companhias aéreas, serve para designar problemas de última hora nos aviões.

OPERAÇÃO SIMULTÂNEA

Normalidade, para Cumbica, é que 44, 45 aviões cheguem e saiam a cada hora. A distância reduzida entre as duas pistas impede que ocorram decolagens e pousos simultâneos.

A torre de controle tenta dar mais fluidez ao vaivém identificando os gargalos. Uma investigação constatou que havia pilotos da Gol ("uma pequena parte") que gastavam alguns segundos a mais para taxiar do que os demais. O motivo: a empresa paga remuneração por hora aos pilotos.

Um dos responsáveis pelo projeto tenta convencer quem age assim de que a atitude é prejudicial à empresa e às operações. A conscientização já rendeu avanços, afirma.

CÃO A BORDO

Entre os funcionários, vira motivo de risos um passageiro que tenta embarcar com um cachorro de grande porte dentro da cabine de passageiros do avião, o que é proibido. Orientado sobre o veto, ele afirma: "Mas eu levo ele dentro da caixa". Não deu certo.

SEM CONTROLE

Um homem de aparentemente 50 anos circula pelo saguão. Uma funcionária avisa: é o "Treze" do aeroporto, sinônimo para homem louco.

Ele entra nas salas internas e dá bom dia aos funcionários, "mas não mexe com ninguém", garante uma servidora da Infraero.

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