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Barbara Gancia

Mulheres ricas tomaram o país

Não vi tanta diferença assim entre minhas novas amigas da penitenciária e as antigas do Jardim Europa

E por falar em "Mulheres Ricas", nesta semana estive na Penitenciária Feminina 2 de Tremembé (SP) conversando com as presas.

Sabe como é, Narcisa anda muito ocupada com a preparação do Carnaval, Celita, me disseram, vai passar uma temporada em Paris e parece que Lucila está embarcando com Jorge e os filhos para uma temporada de esqui -o que fazem muito bem porque a neve este ano está divina e abundante.

Então sobrei eu aqui sem ninguém para papear, uma sina mortal para uma matraca-traca que não consegue calar-se nunca.

E meu negócio, você sabe, é ser ouvida por gente como eu, que tenha alma de mulher rica. Se tirar minha cutícula enquanto conversamos, então, é capaz de eu entregar todos os meus bens terrenos à minha interlocutora.

Mas como só dá para fazer a unha uma vez por semana, resolvi aceitar o desafio proposto por uma equipe de TV: fazer uma reportagem com as presas no xilindró novinho em folha do complexo de presídios que o Geraldo inaugurou lá perto de Taubaté.

Tem ali cada cadeia linda que só vendo, deve ter dono de construtora rindo a caminho do banco. São Paulo, Estado de visão, soube enxergar que miséria e violência podem ser uma indústria lucrativa. Agora deveriam tratar de exportar o know-how para o mundo. Polo industrial de presídios do Geraldo: um Brasil que pensa grande.

Quem passou temporada numa das cadeias desse lustroso complexo foi o Edemar (amigo do Jorge e da Lucila, olha só que mundo pequeno). Noutra estão a Nardoni e a Suzane von Richthofen. Lindérrima ela, se a vida não a tivesse desencaminhado, poderia ter sido garota-propaganda dos tubos e conexões de PVC Tigre, não poderia?

Mas Nardoni e Susie não são aceitas na penitenciária que visitei. O povo da Feminina 2 de Tremembé não quer saber de gentalha de quinta, só lidam com garotas de terceira e quarta linhas. Daí eu ter sido acolhida com tamanha simpatia. Todo mundo veio ter comigo de pés e mãos bem manicurados, de lacinho no cabelo, uma graça. Parecia cadeia de filme americano. Também. Com o tempo de sobra que elas têm nas mãos, estresse não é o maior problema que a turma enfrenta.

É nesta parte que algum obtuso irá interromper meu relato para invocar os famigerados "direitos humanos para bandidos" ou quem ele acha que defende esses direitos superespeciais que não prevalecem para o cidadão comum, mas que existiriam para criminosos.

Ainda há quem não perceba que miseráveis são forçados a viver em confronto constante com a autoridade policial sem ter como se defender. E que continuam sem proteção depois de receber penas exageradas por delitos insignificantes.

Mas o que nos importa aqui é que passei o dia falando com a mulherada e a história se repetia: quase todas foram seduzidas por um amor bandido e a promessa de dinheiro fácil. A maioria está presa por tráfico, as mais gaiatas por levar drogas ao companheiro encarcerado.

Vem cá: é para enjaular pobres diabas que sonham em consumir como Narcisas que estamos construindo esse monte de penitenciária? Bem, eu não vi tanta diferença assim entre minhas novas amigas e as antigas do Jardim Europa. No fim das contas, o movimento é parecido: todas querem ser "Mulheres Ricas" e fazem o que podem para chegar lá.

barbara@uol.com.br
@barbaragancia

AMANHÃ EM COTIDIANO
Walter Ceneviva

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