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Minha História - Vítor Suarez Cunha, 21

Sou um garoto comum

Chamado de herói por defender mendigo, rapaz espancado diz que queria apenas conversar

(...) Depoimento a

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

RESUMO - Vítor Suarez Cunha, 21, foi chamado de herói na TV e nas redes sociais depois de espancado no dia 2, na Ilha do Governador, no Rio. Teve 15 fraturas no rosto, que lhe valeram 8 placas de titânio, 63 pinos e uma cicatriz no crânio, de orelha a orelha. Ele e testemunhas dizem que os agressores haviam sido repreendidos por terem chutado um mendigo.

Morei quase a vida inteira na Ilha do Governador, que é como uma cidade do interior, todo mundo se conhece. Meus pais se separaram quando eu era pequeno, e moramos um tempo na casa da minha avó.

Dividíamos um quarto eu, meu irmão mais velho, minha mãe e minha tia. Só mais tarde minha mãe comprou um apartamento de sala e quarto.

Estudei até a 8ª série na Lemos Cunha [escola particular] porque minha mãe trabalhava lá e a gente tinha bolsa. Ela é formada em serviço social e conseguiu essa vitória de trabalhar na prefeitura. Trabalha no abrigo Stella Maris, para moradores de rua.

No ensino médio tive uma fase de rebeldia. Morei dois meses com meu pai, mudei várias vezes de colégio. Estudei eletrônica na Faetec [escola técnica do Estado] e desisti. Fiz supletivo e estou no 6º período de desenho industrial na Gama Filho [universidade privada].

Trabalhei desde cedo de garçom, vendedor. Na faculdade estagiei numa malharia, fazendo o site, e numa editora de marketing médico. Ganhava R$ 600. Tinha acabado o estágio e estava de férias, ia viajar no Carnaval para Saquarema [litoral fluminense].

Sempre saio na praça em que aconteceu aquilo. É o que tem para fazer na ilha. Um amigo tem um carro com som, a gente compra umas cervejas e fica conversando.

No dia estava com o Kleber [Carlos Silva] e mais dois amigos [um casal], num quiosque. O morador de rua estava deitado, desacordado, e começaram a chutá-lo. O Kleber se levantou. Vi ele argumentando e fui argumentar porque conhecia um dos rapazes, o Tadeu [Assad Ferreira].

Falei: "Cara, para com isso". E ele: "Meu pai vai chegar aqui de manhã para caminhar e vai ver essa sujeira". Daí veio o William [Bonfim Nobre Freitas] e começou a me agredir.

Quiseram que eu brigasse com o Tadeu. Não topei, mas ele veio para cima de mim e me bateu, ia fazer o quê? Daí cinco pessoas me cercaram. Fiquei desmaiado, tomei chute, acordei e ainda estava tomando porrada. Acho que seguraram o Kleber. Só batiam na cabeça. Cheguei a mijar nas calças. Gritei de desespero.

Fui para a casa do Kleber, mas não aguentei, e ele me levou para o hospital.

Não sou super-homem, não fui lá para falar: "Parem, estou mandando". Fui conversar. Foi a educação que tive; todos da minha família não conseguiriam ver essa injustiça.

Acompanho política sim. Todo cidadão tem que entender o que acontece porque pagamos imposto. Gosto de videogames, buraco, de jogar papo fora. Sou um garoto comum, normal.

Também gosto de tatuagem. Fui fazendo aos poucos desde cedo [mostra o braço direito com chamas, estrelas] e ainda vou fazer mais.

Quero me formar e poder viajar. Até hoje só consegui ir para Minas. Depois da recuperação tenho vontade de fazer algum projeto contra a violência. As causas? Para mim tem a ver com a desestruturação da família, a impunidade e até a índole da pessoa.

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