Índice geral Cotidiano
Cotidiano
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Minha História - Tereza Duarte dos Santos, 23

Reconstruindo a autoestima

Moradora de Macapá recomeça sua vida após acidente em que teve couro cabeludo arrancado por motor de barco sem proteção

JEAN-PHILIP STRUCK
ENVIADO ESPECIAL A MACAPÁ

RESUMO Em 2006, Tereza Duarte dos Santos teve o couro cabeludo arrancado ao cair sobre o eixo do motor exposto do barco em que viajava. Enfrentou seis cirurgias, o medo da filha, preconceito e perda da autoestima. Ao menos 300 pessoas, a maioria mulheres, vivem com sequelas de escalpelamento na Amazônia, diz a Defensoria Pública da União. Em 2009, uma lei tornou obrigatória a cobertura do motor.

-

Quando todo o seu cabelo e a pele da sua cabeça são arrancados pela força de um motor, você não sente dor.

Eu tinha 17 anos e meus cabelos iam até pouco abaixo da cintura. Morava em Macapá e ia de barco para Portel, na região da ilha de Marajó, passar férias. Era fim de janeiro.

Minha sandália ficou presa e tropecei perto do motor. Meus cabelos foram puxados pelo eixo, que girava sem parar e tinha só uma proteção improvisada. Não senti nada.

Só fui entender segundos depois, quando vi todo o meu couro cabeludo, preso, descolado, jogado no motor. Meu crânio tinha ficado exposto. O escalpelamento foi total.

Perdi muito sangue, mas fiquei consciente. Fui levada para um hospital em Portel e, dois dias depois, estava num hospital de Belém. Enquanto era internada, chegaram duas mulheres que tinham sofrido escalpelamento naquele dia. Aí entendi que não era a única. Nunca tinha ouvido falar de escalpelamento.

Os médicos disseram que meu cabelo nunca mais iria crescer. Quis morrer, mas durou pouco tempo. Quando fui prestar mais atenção nas outras mulheres, vi que tiveram parte do rosto e as orelhas arrancadas. Podia ter sido pior.

Passei por seis cirurgias em menos de três meses. A primeira fez crescer a carne em cima do crânio. As outras cinco retiraram pele da coxa para fazer enxertos na cabeça. As quatro primeiras fracassaram porque a pele foi rejeitada.

Nos primeiros meses, minha filha mais velha, com dois anos na época, tinha medo de mim e se escondia. Depois, foi se acostumando.

Quando voltei para Macapá, algumas pessoas na rua me xingavam de "cabeça pelada", coisas assim. Isso doía, mas me dei conta de que essas pessoas maldosas é que eram os verdadeiros deficientes.

Ainda assim, não tenho coragem de tirar a peruca em público, como algumas mulheres escalpeladas fazem.

Em 2007, comecei a fazer parte da Associação de Mulheres Ribeirinhas e Vítimas de Escalpelamento da Amazônia. Não queria que minhas filhas pudessem ser vítimas. Passei a participar de campanhas com barqueiros.

Apesar de tudo, o acidente deu um empurrão na minha vida. As coisas ficaram mais difíceis, mas vi que só eu poderia fazer algo para melhorar minha situação.

Tinha parado de estudar aos 14, quando engravidei. Hoje estou no quarto período de pedagogia e sou funcionária do governo. Só não consegui superar uma coisa: até hoje, evito andar de barco.

O repórter viajou a convite do governo do Amapá

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.