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Bichos

SÍLVIA CORRÊA correa-silvia@uol.com.br

A lição de Princesa

Gatinha recebe socorro de peritas e mostra uma face do serviço público que funciona

O hospital parou por um segundo quando elas chegaram. Passos firmes, revólver no coldre, uniforme preto com a inscrição: "perícia". Uma delas carregava um pequeno gato, aparentemente desacordado.

Molhado de vômito e diarreia, o animal tinha as pupilas contraídas, os músculos se mexiam involuntariamente e o coração batia devagar. Enquanto recebia atropina, glicose, soro e o que mais pudesse ajudar a reverter o quadro, os médicos tentavam montar o histórico do caso.

Cabisbaixo, o dono explicava que Princesa era a única sobrevivente do ataque sofrido horas antes pelos três gatos da casa. Com doentia aversão aos animais, sua cunhada e vizinha encheu uma cumbuca de ração e temperou com chumbinho.

Ao acharem os gatos estrebuchando, os donos foram à delegacia denunciar a agressora. E, assim, Princesa deixou de ser mais uma vítima de maus-tratos para se tornar protagonista de uma história de esperança nos serviços públicos.

O delegado do 41º DP deu atenção à queixa e mandou mensagem ao IC (Instituto de Criminalística), pedindo perícia na cena do crime. O chamado chegou a uma equipe que terminava 24 horas de plantão, mas que, ainda assim, foi atender a ocorrência. E apesar de serem responsáveis apenas por coletar provas, as peritas notaram que a gata estava viva e correram ao hospital.

A perícia do IC é dividida em setores, e crimes contra animais ficam, curiosamente, a cargo do núcleo de crimes contra a pessoa. São três equipes de plantão na capital paulista para atender a todos os casos de agressão, que culminam ou não em morte. É fácil entender porque, muitas vezes, a perícia demora.

"Quando chegamos, um dos gatinhos já estava num saco de lixo. O segundo estava no chão, morto, e o último, ainda se mexia. A gente não acreditou. Como assim? Está vivo!?", conta a biomédica e perita criminal Renata Gaeta Preti, 29.

A família disse que não tinha dinheiro para socorrer o animal. E enquanto a fotógrafa Fátima Oliveira registrava a cena do crime -inclusive potinhos de comida na casa da vizinha, que não tem animais de estimação-, Renata começou uma verdadeira caçada por um local para onde levar a gata.

Era final da tarde de sexta-feira quando elas chegaram ao hospital. Nas 24 horas de plantão, a dupla já havia atendido a uma mulher estrangulada pelo marido, um homicídio no meio da rua, um tio que tentara acabar com a raça do sobrinho e a morte de um rottweiler, atingido por um tiro numa perseguição da PM a ladrões de carro.

"A burocracia é grande, os casos são muitos, mas nada disso deve fazer as pessoas desistirem de denunciar maus-tratos. Uma vez feita a denúncia, todo esse trâmite -perícia, coleta de prova, inquérito- tem que ser desencadeado, mais cedo ou mais tarde. Se não for, o cidadão tem que denunciar o policial que não levou o caso adiante", diz Renata.

É verdade que a pena para maus-tratos é branda demais. Mas também é verdade que tem gente bacana em todos os lados do balcão.

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Até o fechamento desta edição, Princesa ainda lutava pela vida.

AMANHÃ EM COTIDIANO
Jairo Marques

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