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Tá rindo de quê?

Só Deus e Paulo Maluf não arrancaram risos da plateia que lotou a segunda edição do polêmico 'Proibidão'

Eduardo Anizelli/Folhapress
O comediante Felipe Hamachi (dir.) durante o stand up 'Proibidão
O comediante Felipe Hamachi (dir.) durante o stand up 'Proibidão'

MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO
RAPHAEL SASSAKI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

As tiradas com negros mais uma vez dominaram. Sobrou também para as mulheres, gays, cadeirantes, japoneses, vegetarianos, motoboys. E muita escatologia. Os únicos temas que não decolaram, emudecendo a plateia, foram Paulo Maluf e Deus.

Cerca de 150 pessoas lotaram anteontem o Kitsch Club, na zona sul de São Paulo, pagando de R$ 40 a R$ 60, na segunda edição do "Proibidão", o polêmico stand-up onde todo tipo de piada é supostamente permitido.

O evento acabou se transformando em um ato de desagravo ao comediante Felipe Hamachi, 25, que na semana anterior chamara o tecladista Raphael Lopes, 24, o "Dan Top", da banda que o acompanhava, de "macaco".

Através de seu advogado, Lopes requisitou instauração de inquérito policial para apurar eventual crime de discriminação racial. E também a aplicação de uma multa no valor de R$ 165 mil.

A faixa etária da plateia era majoritariamente de 25 a 35 anos, de classe média, com muitos casais. Mais para "coxinha" que para "playboy". Negros não havia, apenas os seguranças, dois comediantes e um músico da banda.

O cadeirante Sérgio Costa, 36, técnico de seguros e fã de stand-up, disse: "Me sentiria mal se ouvisse esse tipo de coisa na rua, mas não em um show de humor. Preconceito é pagar imposto e não conseguir entrar em lugares públicos".

Para o analista de sistemas Marcelo Fonseca, "piada é piada, opinião é opinião. O que é dito não sai daqui, e não é pra ser levado a sério".

Muitos lembraram do termo que devem assinar antes de entrar, no qual se declaram cientes de que participarão de um show com "termos pejorativos, piadas de baixo calão e teor preconceituoso".

"Sou judia e não ficaria incomodada com piada sobre judeus. Se você assina o termo, sabe o que esperar", diz Lia Chitman, 20, estudante.

Segundo o advogado criminalista Arnaldo Malheiros Filho, o documento pode ter validade jurídica se o espectador entrar com processo por danos morais. Mas desde que os limites de ofensa não sejam ultrapassados. "Cada caso deve ser analisado individualmente."

Os 11 humoristas que subiram ao palco apareceram acompanhados de um colega no papel de advogado, como se fosse fiador das piadas.

Após tirada grotesca sobre um negro que paquerava uma loira, escalou um prédio e pegou um avião com as mãos, o comediante Rodrigo Capella, logo no começo da noite, emendou: "Esquece essa porra de preconceito, se o cara tem olho de vidro, pede bola de gude. Se é cadeirante, deixa dormir e transa porque ele não acorda".

A noite foi pródiga em piadas deste nível, mas quem esteve no show de estreia comentou que a trupe pegou mais leve desta vez. Referindo-se à recente polêmica em torno do BBB, o comediante Renato Tortorelli disse: "Quem nunca transou com uma menina bêbada que não reagia? Meu tio disse que é assim há 30 anos com titia".

No fechamento da noite, o comediante Marcelo Marrom, 40, negro, entrou no palco dizendo que estava cumprindo cota. E disparou: "Ele ['Dan Top'] estava no palco rindo. Eu fiz uma piada de preto com ele. Por que ele aceitou a minha e não a do Hamachi que é japonês?", questionou.

Procurado pela Folha, Lopes negou a versão. "Não acho que eles sejam racistas. Mas gostam desse tipo de humor, e isso não é lícito".

Segundo Luiz França, 36, idealizador do projeto, há 89 comediantes na fila para serem escalados no "Proibidão". "É um conceito novo e com humor menos inteligente", disse. O cachê foi de R$ 150 na estreia.

Na semana que vem, diz França, o evento deve contar com a participação de Zé do Caixão. "Isso se a casa não for fechada. Mas se for fechada, faremos na rua".

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