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Pasquale Cipro Neto

Feriado, jogo do Brasil e cerveja

No jornal de papel, existe o fator espaço, muitas vezes verdadeiro; na web, esse fator tem peso (quase) zero

ESTAVA NA primeira página de um site, há uma ou duas semanas: "Comissão aprova feriado em dia de jogo do Brasil e cerveja em estádio". Prato cheio para uma das já tradicionais questões de vestibulares (o da Unicamp, por exemplo) que pedem ao candidato que traduza os efeitos "estranhos" que a ordem das palavras dá ao sentido de determinadas frases.

Estruturalmente, a frase em questão pode ser ambígua, já que dela se pode entender que: a) foram dois os itens aprovados pela tal comissão (1 - feriado em dia de jogo do Brasil; 2 - cerveja nos estádios); b) o feriado está condicionado a dois itens (1 - jogo do Brasil; 2 - cerveja no estádio -jogo do Brasil sem cerveja no estádio, nada de feriado).

É claro que com um pouco de boa vontade se chega àquilo que o redator efetivamente quis dizer, ou seja, que a tal comissão aprovou dois itens (cerveja nos estádios e feriado em dia de jogo do Brasil), mas a ordem dada aos termos não nos leva imediatamente a essa compreensão.

Como o caro leitor certamente já pôde perceber, teria sido melhor inverter a ordem dos termos. Vamos lá: "Comissão aprova cerveja em estádio e feriado em dia de jogo do Brasil". A frase cai lisa logo de cara, não?

Na última terça-feira, em sua coluna nesta Folha ("A Língua e o Poeta"), Hélio Schwartsman afirmou que, em determinado contexto (o comentário que ele, Schwartsman, faz a partir da tese de Noam Chomsky de que a capacidade para a linguagem é inata), "uma frase ambígua é mais 'errada' do que uma que fira as caprichosas regras de colocação pronominal". Assino embaixo, o que, para o leitor habitual deste espaço, não é nenhuma novidade.

E por que a referência ao que escreveu Schwartsman? Porque o título jornalístico que comentei hoje é prova viva do que diz o caro articulista. Já perdi a conta de quantas vezes comentei neste espaço trechos e títulos jornalísticos de difícil compreensão ou de compreensão não imediata. A usina vai a mil; a produção não tem fim. No jornal de papel, existe o fator espaço, muitas vezes verdadeiro; na internet, esse fator tem peso zero (ou quase zero), já que a "manobrabilidade" é muito maior. Qual será, então, o motivo de tantos títulos ruins? A pressa? Sabe Deus!

Quer outro? Prepare-se para mais um contorcionismo. Lá vai: "Palmeiras encara primeiro teste para driblar pressão da torcida contra Ajax". Elaiá! O que faz aí a preposição "contra"? Liga "pressão" a "Ajax", ou seja, indica que a pressão é contra o Ajax? Ou será que a pressão é da torcida do Palmeiras contra o próprio time? Sim, sim, já sei, o conhecimento de mundo nos faz entender que o sentido pretendido pelo redator etc., etc., etc., mas... Mas sonhar com a alteração na ordem nos termos e a consequente obtenção da clareza não é exigir muito, é? Vamos lá: "Contra Ajax, Palmeiras encara primeiro teste para driblar pressão da torcida". Viu como é simples? Por que será que muitos dos que escrevem não pensam no fator ordem? Será que isso revela linearidade do pensamento?

Bem, antes que me esqueça, o termo "driblar" não parece o mais adequado à mensagem citada no parágrafo anterior ("aplacar" talvez fosse melhor), mas isso (o vocabulário) é outra história. É isso.

inculta@uol.com.br

AMANHÃ EM COTIDIANO
Barbara Gancia

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