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'Crise prova que atual modelo econômico é inviável'

Pesquisador propõe que ricos cresçam menos para poupar recursos naturais e melhorar a qualidade de vida

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DO RIO

Num mundo em crise econômica, no qual se busca obsessivamente a retomada do crescimento e sua aceleração, o economista Tim Jackson defende o exato oposto: a redução drástica do consumo e o fim do que chama de "fetiche da produtividade".

Seu raciocínio: vivemos num modelo econômico cuja estabilidade depende do consumo contínuo e crescente, mas num planeta que não comporta mais crescimento, ao menos não como se fez até hoje. "O consumo é insustentável para o planeta e causa instabilidade econômica", afirma Jackson, em entrevista à Folha, após participar de evento paralelo à Rio+20.

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Folha - Como tem sido a recepção à sua proposta de "prosperidade sem crescimento" nesses tempos de crise?
Tim Jackson - É uma questão difícil para os governos, pois a estabilidade do sistema econômico atual depende de crescimento, de consumo contínuo. Mas o que a crise mostrou é que não é possível ter estabilidade desse modo.
Estimular o crescimento indefinidamente gera mercados instáveis e situações muito ruins, como as da Grécia, da Espanha e de Portugal e a do meu próprio país, que adotou medidas de austeridade, punindo os mais pobres pela crise criada pelos ricos.

Mas o sr. não defende essa política para os países em desenvolvimento.
Não estou em posição de dizer que indianos, chineses e brasileiros não devem aspirar ao estilo de vida dos californianos. Minha mensagem é para as economias ricas que continuam a persuadir seus cidadãos a consumir.
Os países desenvolvidos precisam reconfigurar o sistema econômico, porque o crescimento material do consumo precisa ser direcionado aos países mais pobres, onde são necessárias habitação, nutrição, educação, saúde.

Como o sr. vê a retração do consumo em época de crise?
Isso mostra como esse comportamento [consumista] não é inerente às pessoas, mas algo criado pelo sistema. Nas crises, as pessoas compram menos, pensam a longo prazo. Se você olhar as estatísticas verá que o nível das poupanças veio desabando nos 15 anos anteriores à crise e, a partir dela, voltou a subir.
Essa é uma grande mudança no comportamento e leva ao que Keynes chamou de paradoxo da poupança: as pessoas tendem a poupar em tempos de recessão, o que retarda a recuperação da economia. Isso sugere que o sistema, que pensávamos ter sido construído com base no comportamento humano, no que seria a vontade natural de consumir, não está alinhado com a natureza humana.

Pessoas que consomem menos são mais felizes?
A economia atual é baseada na ideia de que consumir mais nos torna mais felizes. Mas há pessoas que rejeitaram essa lógica e são mais felizes. Por quê? Porque vivem de forma mais consistente com seus ideais. Prosperidade nunca foi simplesmente material, mas social e psicológica. Esse estilo de vida, porém, causa um conflito interno nas pessoas, porque elas são punidas. Se você deixa de usar carro, se torna um cidadão de segunda classe, porque a infraestrutura não é criada para quem quer viver de modo sustentável. Sem mudanças estruturais, não podemos esperar que as pessoas mudem rumo ao comportamento sustentável.

Qual seria sua visão para a sociedade pós-consumo?
Faz sentido que a economia pós-crescimento seja concentrada mais em serviços do que em bens. Queremos que as empresas nos deem serviços que permitam uma boa vida, nutrição, saúde, infraestrutura, educação e lazer. Essas atividades têm impacto ambiental menor do que a produção de bens e empregam mais.
Devemos questionar o fetiche da produtividade: ele não faz sentido se significa dar turmas maiores para professores ou colocar médicos para atender a mais pacientes por hora. Isso é falácia.

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