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Luiz Felipe Pondé

Baudelaire e o blá-blá-blá de sempre

SÃO HORROROSAS as instalações da Rio+20. No meio, uma praça de alimentação cheirando a gordura. Veganos salvando o mundo com suas beterrabas. Temas que vão da erradicação da pobreza, a terra para os povos das florestas, aos afetos corretos para nossas crianças.

Vamos a fatos empíricos. Sempre fui um apaixonado pelo empirismo selvagem de Baudelaire, o "flâneur" que descobriu a inviabilidade da modernidade andando a esmo pelas ruas de Paris.

Ouvi várias mesas, uma delas com especial atenção: o tema era a educação ambiental que será objeto da "Intergovernmental Conference on Environmental Education for Sustainable Development", a ser realizada em Tbilisi, Georgia. Tbilisi+35 será em setembro de 2012.

O mesmo blá-blá-blá de sempre sobre como devemos gastar dinheiro crendo nas ideias de uns quatro caras.

O interessante era ver as alemãs (ou seriam suecas, norueguesas, dinamarquesas?) enchendo a sala com seus iPads. Georgianas não eram porque essas estão ocupadas em cuidar dos seus vários filhos.

As loiras (alemãs, suecas, norueguesas ou dinamarquesas) suavam bicas.

Com suas minissaias (para elas o inverno irrelevante do Rio era verão light) e pernas cruzadas, elas se afogavam num misto de tédio, suor e esforço descomunal para provar que tudo aquilo era a fronteira entre o caos e o paraíso. O pescoço levemente deslocado para frente provava o esforço de atenção, enquanto suspendiam as saias alguns milímetros com tal gesto. Suspeito que suas almas estavam mais nas saias do que nos tablets.

Noutra sala, um interessante fato ecológico. Sala abarrotada de gente e iPads nas mãos de africanas chiquérrimas. De repente, uma das alemãs (??) se senta numa cadeira vazia.

Sentada ao lado, uma senhora que poderia ter sido uma alemã de minissaia anos atrás se enfurece dizendo que o lugar era de uma amiga sua. A jovem alemã (??) não julga justo o lugar ficar "guardado" enquanto tanta gente fica de pé. Um homem se prontifica a buscar outra cadeira.

O segurança da ONU (parecia filme americano, só faltava a Nicole Kidman de tradutora e intérprete) interrompe dizendo que não autoriza mais colocar nenhuma cadeira na sala porque ela estava lotada.

Questão ambiental: o que fazer quando gente demais "tem o direito" de ser feliz se sentando numa sala que não cabe mais cadeiras?

Ou se põe gente para fora, ou aceita-se que o mundo sempre fica dividido entre os sentados e os "sem-cadeira", ou, quem sabe, se faz uma conferência da ONU para decidir como sermos justos na distribuição das cadeiras no futuro.

LUIZ FELIPE PONDÉ é colunista da Folha e enviado especial à Rio+20.

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