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Entrevista Enrique Peñalosa

Governos devem cobrar caro pelo uso do carro

Ex-prefeito de Bogotá e consultor em trânsito defende que cidades deem mais espaço para pedestres e ciclistas

VAGUINALDO MARINHEIRO
REGIANE TEIXEIRA
DE SÃO PAULO

São Paulo tem que encontrar um jeito de tirar carros das ruas: seja com gasolina mais cara, com pedágio, com eliminação de vagas de estacionamentos ou com todas essas medidas juntas.

Além disso, deve construir corredores de ônibus em todas as vias que ficam congestionadas e dar mais espaço para pedestres e ciclovias.

Essa é a receita de Enrique Peñalosa, que foi prefeito de Bogotá entre 1998 e 2001 e que ajudou a recuperar várias áreas daquela cidade.

A capital da Colômbia criou mais de 300 quilômetros de ciclovias, transformou sua cracolândia num megaparque e adotou o Transmilênio, sistema de ônibus rápidos parecido com o de Curitiba.

Mas Peñalosa não acredita que Bogotá seja uma cidade modelo. "É uma cidade terrível, com problemas gravíssimos. Houve experimentos exitosos, mas ainda há muito a fazer", afirma.

Ele esteve no Brasil para participar do Fronteiras do Pensamento, série de palestras que acontece em Porto Alegre e São Paulo.

Abaixo, leia os principais trechos da entrevista que concedeu à Folha.

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Folha - Que medidas adotadas em Bogotá poderiam ser usadas em São Paulo?

Enrique Peñalosa - Bogotá não é um exemplo de urbanismo. É uma cidade terrível, que tem problemas gravíssimos. Mas fizemos uma cidade um pouco mais para as pessoas e um pouco menos para os carros. Ampliamos as calçadas, criamos ciclovias protegidas. Ainda são poucas as pessoas que circulam com bicicletas em Bogotá, mas passamos de 0% para 5% da população pedalando.

O que mais precisa ser feito lá ou aqui?

Não pode ser normal que nossas crianças vivam ameaçadas de morte, que nós vivamos ameaçados de morte. Em Bogotá, os atropelamentos são a principal causa de morte de menores de 14 anos.

É preciso criar muitos parques lineares, com ciclovias que atravessem a cidade.

O problema é que cada vez que propomos alguma coisa, alguém diz: não é possível. Eu sei que é difícil criar parques numa cidade cheia de construções como São Paulo. Mas digo que é possível. Apenas como um jogo, vamos imaginar que 50% de todas as vias da cidade sejam destinadas apenas a pedestres e bicicletas. Seria uma cidade muito linda.

Para onde iriam os carros?

O primeiro artigo de todas as constituições democráticas, inclusive a brasileira, diz que todos são iguais perante a lei. Se isso é verdade, um ônibus com cem passageiros tem direito a cem vezes mais espaço nas ruas que um carro com uma pessoa.

As pessoas usam carros porque é mais confortável, dá liberdade e segurança.

Os carros são maravilhosos para passear, para sair à noite. Mas se todos resolvem ir de carro ao trabalho, a cidade entra em colapso. Quando falamos de cidade sem carros, ou com poucos carros, não estamos falando da ilusão de um hippie louco. Estamos falando de cidades que já existem e que são as mais bem-sucedidas do mundo, como Nova York, Londres, Zurique. Em Paris, a maioria dos prédios no centro nem tem estacionamentos.

O Brasil vai na contramão, com o governo federal incentivando a compra de carros e o municipal exigindo garagem dos novos empreendimentos.

Isso é um erro. Não defendo que as pessoas não tenham carro. Defendo que repensem como usá-los. Não devemos proibir o carro, mas dificultar sua utilização e facilitar a vida daqueles que queiram viver sem ele.

Como fazer isso?

Há várias maneiras. A mais fácil é a elevação do preço da gasolina. Outra é eliminar vagas nas ruas e cobrar mais nos estacionamentos. Há ainda pedágios urbanos, quando o motorista precisa pagar se quiser circular por determinadas áreas em determinados horários.

O poder público deve cobrar bastante por esse uso e usar o dinheiro para subsidiar um sistema de transporte eficiente, rápido, confortável, com ar-condicionado.

A exigência de garagens é outro equívoco. Em cidades mais avançadas, há um limite máximo de garagem, não mínimo.

Como convencer as pessoas que tem alto poder aquisitivo a usar transporte público?

A cidade avançada não é aquela em que os pobres andam de carro, mas aquela em que os ricos usam transporte público.

Por que os ricos usam metrô ou ônibus em Manhattan, em Londres? Porque é a forma mais rápida e barata de ir de um lugar a outro. Há poucos lugares para estacionar em Nova York, e é muito caro. É assim que se convence.

São Paulo terá um novo prefeito em 2013. Que conselhos daria a ele?

Devemos pensar em cidades para os mais vulneráveis. Para as crianças, os idosos, os que se movimentam em cadeiras de rodas, para os mais pobres. Se a cidade for boa para eles, será também para os demais.

Se o novo prefeito resolver acabar com áreas de estacionamento para ampliar calçadas e ciclovias, pode haver muita reclamação. Vão dizer: onde vamos estacionar? O prefeito, então, pode responder: isso não é responsabilidade minha, é um problema privado. Eu também não digo onde você guarda sua roupa. O estacionamento não é um direito adquirido.

Como São Paulo pode resolver o problema da cracolândia?

Em Bogotá, acabamos com uma zona que era cem vezes pior que a cracolândia, onde havia alto consumo de drogas e os piores índices de violência do planeta. Ficava a dois quarteirões do Palácio do Governo. Desapropriamos uma área de 23 hectares, demolimos mais de 600 construções e fizemos um parque. Junto, tivemos um amplo trabalho de reabilitação. Chegamos a ter mais de mil pessoas que eram moradores de rua e que foram reabilitadas e contratadas pela prefeitura.

Houve também mais punições para pequenos delitos, não?

Sim. Estou convencido de que isso é essencial. Não digo punição para consumidores de drogas, mas para crimes. E punição muito severa para crimes com o uso de armas, porque é preciso ter uma distinção clara entre aquele que arromba um carro para furtá-lo e o que aborda um motorista com uma pistola.

Mas temos um sentimento de culpa na questão do direito penal. Achamos que não devemos punir severamente porque ainda há muita desigualdade, há populações muito carentes. Mas a violência é péssima para essa população também.

Leia mais da entrevista
folha.com/no1109371

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