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 10ª Festa Literária Internacional de Paraty

Literatura dá lugar à política em debate forte sobre autoritarismo

Ex-deputado Fernando Gabeira e antropólogo Luiz Eduardo Soares guiaram mesa aplaudida

Mediado pelo jornalista Zuenir Ventura, papo abordou temas como governo Dilma, UPPs e Comissão da Verdade

ENVIADO ESPECIAL A PARATY (RJ)

Na mesa mais aplaudida da Flip até ontem, a literatura deu lugar à política: governo Dilma, Comissão da Verdade, UPPs e outras temas ideologicamente carregados dominaram o debate entre o jornalista e ex-deputado Fernando Gabeira e o antropólogo e ex-secretário de segurança Luiz Eduardo Soares.

Eloquentes e críticos como de hábito -ambos já haviam causado sensação em Flips passadas-, os dois fizeram com que a plateia se manifestasse constantemente.

O tema da mesa, mediada pelo jornalista Zuenir Ventura, era "Autoritarismo, Passado e Presente". Num dos momentos que mais mexeram com a audiência, Gabeira, instado pelo mediador, comparou a postura política de dois ex-governadores pedetistas, Garotinho e Brizola.

"Eles tentaram estender a experiência varguista. É o desejo de falar com as massas por cima de tudo, ignorar os partidos e o sistema político", disse o ex-deputado.

Soares se contrapôs na sequência, fazendo com que o público risse e aplaudisse:

"Acho importante distinguir os dois personagens. Temos o Brizola, que é parte da história do Brasil, com uma integridade pessoal que temos de reconhecer. E temos um sintoma do clientelismo, patrimonialismo e demagogia da pior qualidade. São romances distintos: uma comédia de costumes e um épico."

As discordâncias entre os debatedores, expostas em tom firme, mas nunca agressivo, voltaram a aparecer quando Ventura perguntou se a presidente Dilma Rousseff poderia ser classificada de autoritária.

"A supressão do Congresso como interlocutor político é uma relação autoritária. Não se fala mais com o Congresso nem com partidos, mas diretamente com a população, por meio de uma técnica marqueteira", disse Gabeira.

"A gestão Dilma não é autoritária, é centralizadora, de uma forma inclusive irracional", disse Soares. Para o antropólogo, essa centralização foi consequência do "arranjo de governabilidade" que a presidente teve de fazer.

"Todas as dificuldades [de desenvolvimento econômico e social] decorrem da incapacidade do governo de tomar decisões em função da hipercentralização, que, por sua vez, é uma tentativa de reduzir os danos gerados pelas questões políticas."

Apesar de Soares frisar que não defendia a presidente, Gabeira ficou visivelmente incomodado e rebateu.

"Ela diz que está tudo bem, que está um céu azul. O nível de endividamento já compromete um quinto da renda familiar, a inadimplência está em seu nível mais alto, a indústria cai há quatro meses e eles dizem que está tudo bem", afirmou.

O ex-deputado conseguiu o aplauso unânime quando criticou a corrupção atual, citando a CPI do Cachoeira e as ligações de políticos com a construtora Delta. "Eu acho que o autoritarismo está no fato de eles estarem roubando desesperadamente e a gente não conseguir evitar."

Já o antropólogo teve destaque quando criticou a indiferença da sociedade à violência praticada pelo Estado hoje, comparando-a com a da ditadura militar.

"Hoje temos execuções extrajudiciais aos milhares, torturas, só que agora não mais contra nós, classe média. Isso virou parte da paisagem. Nós, como sociedade, criamos um método de convívio com a brutalidade que é inexplicável", disse Soares. "Mas eu sou otimista", concluiu.

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