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Bichos

JAIME SPITZCOVSKY jaimespitz@uol.com.br

Moscou, vodca e zoológico

A visita ao zoo ilustra as mudanças que fizeram da Rússia um país emergente, com a economia em ebulição

Férias escolares, chegou a hora de organizar uma fuga. Montar o roteiro com a minha filha Silvia, de dez anos, implica uma fácil negociação entre interesses adultos e pré-adolescentes: juntamos alvos históricos, afetivos, de puro entretenimento e, logicamente, de animais. E especialmente caninos.

Iniciamos a expedição por Moscou. O interesse paterno recaía sobre rever a cidade onde morei quatro anos, trabalhando como correspondente desta Folha, e mostrar à minha filha um universo sobre o qual ela ouviu, ao longo da infância, diversas referências -do desenho animado da Anastácia, filha do czar Nicolau 2, à coleção de matrioshkas, clássica bonequinha russa.

O roteiro incluiu a inescapável visita a um pet shop local. No hotel, recebemos a indicação de uma loja localizada na tradicional rua Arbat, calçadão recheado de história e de atrativos turísticos. Compramos lembranças para nossa matilha, não muito diferentes dos produtos que encontramos por aqui. Mas espero que meus dois samoiedas, raça de origem siberiana, reconheçam o cheiro da terra de seus antepassados, ou ao menos consigam reconhecer o rótulo em alfabeto cirílico.

Fiquei aliviado ao checar, no pet shop moscovita, que ainda não haviam criado vodca para cachorro. Confesso que, depois de ver refrigerantes, sorvetes e energéticos oferecidos aos nossos amigos de quatro patas, temia a possibilidade de algum espertalhão querer mergulhá-los num hábito local.

Mas, em frente ao pet shop, havia um espertalhão. Pedia dinheiro com a ajuda de dois auxiliares, filhotes que encantavam os pedestres e cumpriam com eficiência a função de marketing. Silvia e eu também não resistimos à jogada e depositamos alguns rublos na caixa estrategicamente colocada sobre o calçadão.

No dia seguinte, rumamos ao zoológico de Moscou. Minha última visita tinha ocorrido em meados dos anos 1990, quando saí deprimido por conta da aura de decadência em torno da instituição centenária. A visita atual ilustra as mudanças responsáveis por fazer da Rússia um país emergente, dono de uma economia em ebulição nos últimos tempos, ainda que com a democracia em congelamento.

Boladas de visitantes se espremiam diante dos principais animais em exibição, numa evidente maioria de turistas locais atraídos pela renovação do zoológico e por aquele dia ensolarado do verão moscovita. A nova classe média russa, surgindo após o colapso do comunismo e com o renascer da economia de mercado, se esbaldava comprando camisetas com a estampa de lobos das estepes ou ursos polares e tirando fotos com bonecos da turma do Shrek.

Em mais um sinal dos novos tempos, plaquinhas adornavam alguns dos recintos onde se abrigavam os animais. Eram registros de empresas ou pessoas físicas adotando o hóspede e contribuindo com sua manutenção, ao lado de verbas governamentais. "Conquista do proletariado" nos finados tempos soviéticos, o zoológico de Moscou emoldura hoje a receita econômica em vigor no país.

AMANHÃ EM COTIDIANO
Francisco Daudt

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