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'Aos dez anos, percebi que algo perverso acontecia'

DE SÃO PAULO

Nas aulas de educação física, era aquela troca de olhares e certo distanciamento em relação ao garotinho que sempre ficava escondido, no fundo da turma. Ninguém o queria nos times de futebol. Na sala de aula, quem o rejeitava era a turma do fundão.

"Aos dez anos, percebi que algo perverso estava acontecendo", lembra o chef José dos Anjos Rodrigues, 50. "Só que eu mesmo não tinha consciência de que isso ocorria pelo fato de eu ser gay. Afinal, eu mesmo não sabia."

Não demorou. Dois anos depois, no colégio, Rodrigues recebeu a tarefa de interpretar um lorde numa peça que discutia a Revolução Francesa. Durante os ensaios, o menino não conseguia se concentrar no texto por conta das "brincadeiras" dos coleguinhas, que satirizavam seus gestos e sua fala.

"Dei um piti", conta.

Saiu de cena. Quando retornou à classe, foi recebido em uníssono: "Ele é homem? Não... É mulher? Não... O que ele é? Bicha, bicha, bicha...".

Aí as peças começaram a se encaixar. "Os meninos entravam numa onda de agressão coletiva", conta o chef.

"Se um deles me encontrava sozinho, o discurso era outro. Queriam levar um lero. Aos poucos, fui percebendo que tipo de lero, de fato, eles queriam comigo", diz.

Filho de uma família portuguesa, "extremamente católica e conservadora", ressalta, Rodrigues lembra que o bullying foi, na verdade, um empurrão, difícil e doloroso, para a descoberta sexual.

"Não havia esse papo de terapia", diz, hoje, sorrindo.

Somente aos 18 anos, então consciente de sua sexualidade, o rapaz foi levado pela irmã a uma "terapeuta que dizia ser paranormal". O propósito? "Desembichar".

"Ela era uma tremenda charlatona", lembra.

"Aplicava um questionário de conotação sexual para me incitar." Para cada pergunta, deveria responder: anula, cancela ou isola. Rodrigues ignorou, isso sim, qualquer pajelança em sua vida. Há 30 anos, vive com outro homem.

(ROBERTO DE OLIVEIRA)

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