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Marcos Augusto Gonçalves

Di

O carioca era bom de copo, gostava das madrugadas e se divertia nos melhores piores lugares de São Paulo

As chamas que há quatro anos destruíram o Teatro Cultura Artística, em São Paulo, pouparam o mural de 48 metros de extensão por 8 metros de altura concebido por Di Cavalcanti para a fachada do prédio, projetado pelo arquiteto Rino Levi. Na semana passada, a antológica tela "Samba", do pintor modernista, teve menos sorte e foi consumida por um incêndio no apartamento do marchand Jean Boghici, no Rio.

Di fazia questão de se definir como um carioca e insistia na influência decisiva que a cultura popular do Rio exerceu sobre sua obra -caudalosa, diga-se, e irregular. No entanto, em 1917, com 20 anos, o então ilustrador, caricaturista e estudante de direito preferiu trocar sua cidade natal pela Pauliceia. Por que? "São Paulo me seduzia", disse em suas memórias.

Naquele tempo, a capital paulista era muito mais acanhada do que a formosa capital federal, mas crescia velozmente, impelida pela riqueza do café e pela industrialização. A vila pacata e provinciana do passado recebia gente de todos os quadrantes e transformava-se em terra de oportunidades. Era o que Di buscava.

O rapaz chegou do Rio de trem com cartas de apresentação do poeta Olavo Bilac endereçadas a alguns figurões da imprensa paulista e começou a trabalhar no arquivo do jornal "O Estado de S. Paulo". Logo tornou-se amigo de pessoas do meio intelectual e artístico, como Arnaldo Simões Pinto, da revista "Vida Moderna", Gelásio Pimenta, da "Cigarra", Monteiro Lobato e o polêmico jornalista Oswald de Andrade.

Quando Di mudou-se para São Paulo, a Sociedade de Cultura Artística, criada em 1912 para promover música e artes na cidade, completava cinco anos de existência -e o rapazote Mário de Andrade havia sido um de seus fundadores.

Ainda em 1917, Di conheceu a pintora Anita Malfatti, a quem incentivou a fazer a exposição de quadros modernos que seria violentamente atacada por Lobato. Ele próprio realizou sua primeira mostra de pintura, em 1921, em São Paulo. E uma ideia sua, de organizar um salão de artistas novos numa livraria do centro, foi a origem da Semana de Arte Moderna.

Quanto ao teatro de Cultura Artística, velho sonho da sociedade, foi inaugurado em 1950, quando o pintor carioca já era nome consagrado -e também questionado- da arte brasileira.

O mural, intitulado "Alegoria das Artes", foi confeccionado com cerca de 1 milhão de pastilhas e vai ser devolvido à cidade restaurado, na fachada do novo prédio. Será uma das atrações da região da praça Roosevelt, cuja reforma -ano eleitoral faz milagres- está por ser concluída nos próximos dias.

Tudo indica que a área, que se tornou point underground de São Paulo depois da chegada da companhia de teatro Satyros, deverá mudar para melhor -embora não me inclua entre os que acham que revitalização seja sinônimo de banir vida noturna e prostituição. Creio que Di concordaria com isso, ele que era bom de copo, gostava das madrugadas, frequentava as altas e se divertia nos melhores piores lugares da cidade.

O artista fez, também na década de 1950, um outro mural em São Paulo, não muito longe da praça. Está instalado na fachada do atual edifício do Novotel Jaraguá, anteriormente sede do "Estadão". Curiosamente, a tradicional feira livre da Roosevelt, que a prefeitura, sob protestos, proibiu, transferiu-se para aquele trecho. E, apesar das reclamações, já tem gente achando a mudança divertida. É que os feirantes agora armam as barracas em local inusitado: sobre o viaduto da rua Major Quedinho. Xepa paulistana.

marcos.augusto@grupofolha.com.br

AMANHÃ EM COTIDIANO
Francisco Daudt

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