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Cidade boate

Lâmpadas azuis se multiplicam em locais turísticos e até túneis de São Paulo;prefeitura diz querer criar 'referências urbanas'

Zé Carlos Barretta/Folhapress
Roosevelt: No túnel que corta a praça Roosevelt, lâmpadas de LED na tonalidade azul foram colocadas no teto, com o foco direcionado para as paredes, para não ofuscar a visão dos motoristas
Roosevelt: No túnel que corta a praça Roosevelt, lâmpadas de LED na tonalidade azul foram colocadas no teto, com o foco direcionado para as paredes, para não ofuscar a visão dos motoristas

LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO

Por volta das 22h da terça-feira passada, Marcelo, aparência de 40 anos, chapéu e bolsa enormes, dançava sozinho no que parecia ser um palco iluminado.

Impossível ouvir a música que o embalava -ele estava com fones de ouvido. A cena aconteceu no túnel que passa por baixo da praça Roosevelt, centro de São Paulo, onde a prefeitura inaugurou, na semana passada, um novo projeto de iluminação.

"Isso aqui é minha brisa agora", disse Marcelo, referindo-se a um canto no túnel decorado com grafites, iluminado por lâmpadas de LED na cor azul-arroxeada (impossível não pensar em luz negra) -um "palco bacana", na acepção do Fred Astaire paulistano.

O homem prometeu voltar com amigos para montar uma rave no local. Cada um com seu fone de ouvido e sua própria trilha musical, "porque senão não se ouve nada".

A menos de 100 metros dali, cerca de 40 outras luzinhas piscavam. Eram isqueiros dos usuários de crack que fazem de outros cantos no túnel seus esconderijos.

A mudança integra uma nova frente de intervenção da prefeitura na paisagem urbana. Agora, na forma de luz.

O túnel com o palquinho, assim como outros 16 da cidade, teve todas as suas luzes trocadas por luminárias brancas de LED. Nas extremidades, assim como já acontece nos túneis Ayrton Senna e Tribunal de Justiça (zona sul da cidade), foram colocadas lâmpadas azuis de LED. "Para decorar", informa o Ilume, Departamento de Iluminação Pública.

No túnel da Roosevelt, a luz decorativa foi colocada no teto, como os refletores de um teatro, com o foco direcionado para as paredes, de forma a não ofuscar a visão dos motoristas -vem daí o efeito palco, que entusiasmou Marcelo.

"Isso aqui vai virar uma boate dos nóias", protestou a bancária aposentada Dolores Vieira Santana, 67, que mora na rua Amaral Gurgel, vizinha do palco.

'REFERÊNCIAS URBANAS'

A mesma tonalidade de azul já aparece nos postes centrais de iluminação da avenida Paulista, na fachada da Assembleia Legislativa e também no Obelisco dos Heróis de 32, no Ibirapuera.

Segundo Regina Monteiro, presidente da Comissão de Proteção da Paisagem Urbana, órgão da prefeitura, o objetivo da nova iluminação é criar "referências urbanas".

"De noite, a cidade de São Paulo ficava toda laranja, indiferenciada, por causa da iluminação com vapor de sódio. O objetivo agora é mudar isso. Referências geram uma sensação de aconchego e familiaridade com a paisagem", diz.

A prefeitura também está trocando a iluminação antiga por lâmpadas brancas de vapor metálico e de LED nos cartões-postais da cidade, como o Anhangabaú, a praça Villaboim e o centro histórico, além do Ibirapuera.

"É propaganda subliminar", acusa o deputado petista Adriano Diogo, a respeito da cor azul, identificada com o PSDB de José Serra, apoiado pelo prefeito Kassab.

"É obra eleitoreira", diz a vereadora Juliana Cardoso (PT), para quem a prefeitura deveria primeiro se preocupar em colocar lâmpadas na periferia -"a escuridão é o maior problema de segurança pública nos bairros pobres"-, antes de "maquiar" os bairros centrais.

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