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Marcos Augusto Gonçalves

Capital da arte

Numa tarde úmida de 1951, inaugurava-se a 1ª Bienal de SP, festa cosmopolita que agita a capital paulista

O crítico Luís Martins registrou que a tarde do dia 20 de outubro de 1951 apresentou-se "úmida e feia" aos paulistanos, mas mesmo assim muitos aproveitaram o sábado para ir à esplanada do Trianon, onde hoje se situa o Masp, e presenciar a abertura da 1ª Bienal de São Paulo.

Na verdade uma multidão dirigiu-se ao pavilhão preparado para a mostra, que reunia 1.854 obras de artistas de 23 países. A Bienal inspirava-se no evento criado em Veneza, no final do século 19, e nascia graças aos esforços do empresário Francisco Matarazzo Sobrinho (1892-1977), o Ciccillo Matarazzo.

"O que você acha do interesse do público paulistano pela arte moderna?", alguém perguntou a Martins, no dia da inauguração. "Excessivo", resumiu ele numa crônica, sem saber dizer ao certo quantos milhares de pessoas compunham aquela "impressionante massa humana": "Difícil precisar. Mas, para que se tenha uma ideia da afluência de gente, basta que se diga que a entrada lembrava um dia de jogo de futebol entre cariocas e paulistas, a finalíssima, no estádio de São Januário".

A Bienal começou, portanto, como aquilo que de certa forma continua a ser -um rito periódico de espetacularização da arte. É uma ocasião em que o leigo do grande público, ao lado da elite ignara ou entendida, é convidado a testemunhar -e de alguma forma endossar- um conjunto de obras que deve representar, mesmo parcialmente, o estado da produção do momento.

Na primeira Bienal, a dimensão espetacular não poderia deixar de ser logo percebida pela pena de Martins, que desenvolveu o tema. Contou ele que um dos presentes à inauguração levantou a hipótese -bastante otimista, aliás- de que "60% daquela gente fora lá por simples curiosidade e esnobismo".

"E que tem isso?", um outro retrucou. "Precisamos nos convencer de que o esnobe é um elemento útil da sociedade. Não me interessa saber se vem aqui para achar graça do que não entende; o importante é que venha, é que faça onda." Mais do que isso, o personagem argumentava que muitos acabariam por comprar obras, mesmo que só "por uma questão de moda".

Considerada a primeira grande exposição de arte moderna realizada fora do eixo Europa-Estados Unidos, a Bienal foi inaugurada num momento em que floresciam outras iniciativas culturais importantes, com o apoio de empreendedores privados, como era usual em São Paulo. Além do Masp e do Museu de Arte Moderna, apareciam o Teatro Brasileiro de Comédia e a Companhia Cinematográfica Vera Cruz -todos criados entre 1947 e 1949.

As ambições da elite paulista, que já haviam se manifestado nas décadas anteriores, brilhavam nas declarações dos organizadores da Bienal, que pretendiam "colocar a arte moderna do Brasil em contato vivo com o resto do mundo e paralelamente tentar conquistar para a cidade de São Paulo a posição de centro artístico mundial".

Essa movimentação nos anos do pós-Guerra prenunciava uma fase de intensa efervescência na cultura brasileira, que se inauguraria nos anos 1950, com a eclosão de movimentos de vanguarda no teatro, na poesia, nas artes, no cinema e na arquitetura -para não falar da revolução bossa nova de João Gilberto na música popular.

Com todas as crises por que passou, a Bienal chega à sua 30ª edição como a festa cosmopolita projetada por seus idealizadores. É a arte a animar a cidade e a atrair "todo mundo" neste setembro de tardes luminosas e secas.

AMANHÃ NA FOLHA
Francisco Daudt

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