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Análise

Pena que a calma da madrugada não signifique menos mortes

EDUARDO BIAVATI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O delírio de todo publicitário é vender um carro que circula livre nas ruas da cidade, em noite úmida com pistas molhadas, semáforos verdes, nenhum outro veículo, nenhum ônibus tomando espaço, nenhuma motocicleta buzinando, nenhum pedestre pedindo travessia, nada para atrapalhar o caminho e nenhum agente de fiscalização.

É uma cidade que existe somente para o motorista e os seus desejos. Essa cidade não existe, é claro, mas quase encontramos o sonho quando avança a noite, após as 22 horas, e mergulhamos na madrugada, até as 5h.

Nessas sete horas, os congestionamentos desaparecem das ruas de São Paulo, quase não vemos motocicletas e pedestres, a frequência dos ônibus diminui, e o resultado é que os acidentes de todo tipo caem bastante.

É uma pena que tanta tranquilidade não se traduza em menos mortes no trânsito.

Muita velocidade, bebida, sono e praticamente nenhuma fiscalização (exceto pelos radares que operam ininterruptamente) explicariam as tragédias de todas as noites.

Um motociclista que perde a direção em uma curva e morre no encontro com um poste às 3h deve ter bebido muito e abusado ao máximo da velocidade, certo? Causa da morte: imprudência, dizem os relatórios.

TRABALHADORES

Acontece que não há dados objetivos que sustentem que a pessoa tenha morrido porque estava alcoolizada ou em velocidade excessiva. Ela pode ter morrido apenas porque ia ou voltava do trabalho.

Quem são os motociclistas mortos nas noites de São Paulo? Frentistas, porteiros, seguranças, ajudantes, mecânicos, eletricistas, pedreiros e garçons - 80% das mortes de garçons motociclistas em 2008 foram na madrugada, segundo dados do IML.

As mortes do trânsito nas noites não ocorrem necessariamente porque as pessoas ocupam enlouquecidas as ruas livres da cidade ou porque falta fiscalização e repressão.

Nada contribui, entretanto, para a segurança no trânsito na madrugada -muito menos o sono e o descanso do poder público. Segurança é uma responsabilidade compartilhada -não custa lembrar nesses tempos de eleição.

EDUARDO BIAVATI é sociólogo e especialista em educação no trânsito.

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