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Opinião

Medida pode fixar um novo marco nas relações raciais

Brasil pode reparar de forma definitiva a sua imagem de democracia racial

ANTONIO SÉRGIO ALFREDO GUIMARÃES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ao que parece, o Brasil está em vias de adotar um programa de políticas afirmativas abrangente, sistemático e articulado para a promoção da igualdade racial, com destaque para políticas de regulação do mercado de trabalho em seus variados nichos e da produção cultural.

Será estabelecido um novo marco em nossas relações raciais, dando consequência ao reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da legitimidade e legalidade jurídicas de reivindicações igualitárias que se fazem ouvir desde a luta pela redemocratização do Brasil, nos anos 1970.

Um ponto de inflexão diante do qual o que foi feito até aqui terá sido apenas a demarcação do terreno para a inclusão definitiva dos negros na vida social brasileira.

De fato, a ampliação do sistema federal de ensino universitário (Reuni) e o financiamento público de vagas no ensino superior privado (Prouni) são insuficientes para garantir a democratização.

É também parcial para os negros o benefício da reserva de vagas nas universidades federais para alunos da escola pública, pois beneficia apenas as famílias que não podem pagar pelos melhores cursos do ensino médio.

Ademais, a Lei de Cotas, sancionada em agosto, é necessária para reestabelecer a coerência entre os investimentos estaduais e federais em educação pública, mas precisa ser complementada por medidas que incentivem a permanência escolar e garantam qualidade do ensino.

A aprovação do Estatuto da Igualdade Racial teria sido tão somente uma carta de intenções se não encontrasse políticas sociais adequadas que o implementassem.

De igual modo, as leis que regulamentam o ensino da história e da cultura afro-brasileira ainda necessitam do incentivo à formação universitária especializada.

A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial foi consequência do compromisso internacional assumido pelo Brasil em Durban, na Conferência Mundial de 2001, de lutar contra a desigualdade racial por meio de ações afirmativas, não apenas punitivas do racismo.

DEMOCRACIA RACIAL

Com um programa dessa envergadura, a secretaria cumpre a sua atribuição de articular políticas.

Mas há uma razão que escapa ao olhar doméstico: ao levar a sério esse compromisso internacional, o Brasil procura reparar definitivamente a antiga imagem de democracia racial, que foi construída nos anos 1940 e 1950.

Nas últimas décadas, o país passou a ser julgado no exterior pela pobreza, pela violência e pela desigualdade social a que está sujeita a sua população negra e mestiça.

Outros países do mundo antes de nós, como a Índia, nos anos 1940, os Estados Unidos, na década de 1960, e a África do Sul, nos anos 1990, também utilizaram programas de ação afirmativa para restabelecer-se moralmente no concerto das nações democráticas.

ANTONIO SÉRGIO ALFREDO GUIMARÃES é professor titular do Departamento de Sociologia da USP

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