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Empreiteira de luxo paga para morador deixar favela vizinha

JHFS compra barracos da comunidade Jardim Panorama, vizinha ao shopping Cidade Jardim

Após negócio, casebres que ocupam áreas pública e privada são destruídos; empresa diz ter projetos para local

LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO

A JHSF é dona dos empreendimentos mais estrelados da zona sul de São Paulo, como o shopping Cidade Jardim, com suas luxuosas torres residenciais, além das três de escritórios, comercializadas a R$ 15 milhões o andar de 560 metros quadrados. A JHSF está comprando barracos de uma favela vizinha.

A dona de casa A., 57, moradora há oito anos da comunidade Jardim Panorama (zona oeste), tem certeza de que ganhou na loteria. A JHSF ofereceu-lhe R$ 60 mil para que ela saísse da casa de quatro cômodos de alvenaria e com revestimentos cerâmicos, construída sobre a calçada da rua Francisco Rebolo.

"Nem terreno ela tinha. Ocupava área pública da rua", explicou o advogado Marcos Endo, representante dos moradores. Em quase toda a extensão, a rua sofreu um estreitamento, tantas foram as casas construídas de um lado e de outro dela, invadindo o meio fio.

Com o dinheiro da venda, A. comprou, agora com escritura, uma casa no Jardim São Luís, distrito popular da zona sul.

O objetivo da JHSF é retirar todas as moradias precárias que estão instaladas em uma área de 20 mil metros quadrados que adquiriu na vizinhança dos empreendimentos que já tem no bairro. E lá implantar novos projetos -a empresa diz, por enquanto, que só pode garantir que não haverá novas torres.

O método de "requalificação da área" (como chamam certos urbanistas) é simples. Os moradores recebem uma avaliação da casa. Depende da área construída e do material usado (madeira, blocos, com revestimento ou não). Quem topa deve se dirigir até os escritórios da Companhia Habitacional Jardim Panorama.

Na verdade, a Companhia Habitacional é outro nome da própria JHSF; e os escritórios são vagas de garagem de um dos prédios, limitadas por toldos brancos. Entra-se pela porta de serviço do edifício.

Uma vez fechado o negócio, recebe-se um cheque. A casa condenada é pichada com cruzes vermelhas. O morador retira seus bens e o barraco é deletado. Em minutos, uma miniretroescavadeira derruba o imóvel e lança os escombros em uma caçamba.

Calcula-se que as casas de 120 famílias estejam na mira dos compradores da JHSF. Inclusive as que ocupam área da rua, da praça municipal e da viela para escoamento de águas pluviais -todas coalhadas de barracos que ficam a poucos metros das torres de escritórios (os varais de roupas, as crianças andando de carrinho de rolimã e subindo nas árvores, os cachos de banana estão ao alcance da visão dos executivos).

Marcos, 20, já vendeu o andar de cima de seu barraco. Faturou R$ 12 mil. Mas ele diz que só sairá dos cômodos inferiores se embolsar mais R$ 50 mil. Em volta, todos os casebres já foram derrubados. "Se eles não pagarem não saio. Aí, para isso aqui voltar a virar favela, é um minuto."

Por cima das casas localizadas na rua Francisco Rebolo, veem-se barracos recém-construídos. Moradores dizem que eles apareceram há uma semana. "Teve muito incêndio de favela na cidade. Tem muita gente precisando de casa e aqui ainda tem espaço", afirma Domingos, 68, há 55 anos morador do local.

Como impedir a reconstrução das casas derrubadas e a chegada de mais pobres ao terreno? O executivo da JHSF é lacônico: para isso existem muros, cercas e seguranças.

Colaborou LALO DE ALMEIDA

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