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Marcos Augusto Gonçalves

Da vila ao caos

Sou dos que pensam que as coisas estão melhorando; e também dos que sabem que ainda há situações inaceitáveis

Houve mais prefeitos nomeados em São Paulo do que eleitos. O primeiro a passar pelo crivo das urnas foi um pernambucano chamado Raimundo da Silva Duprat, o Barão de Duprat, em 1911.

"Crivo das urnas" é modo de dizer. Na República Velha as regras eleitorais eram machistas e elitistas. Votavam facultativamente homens alfabetizados com mais de 21 anos.

Os bons tempos duraram até que chegasse Getúlio Vargas, o analista de Bagé da modernização brasileira. Os Estados passaram a ser governados por interventores federais, que indicavam os prefeitos.

O primeiro paulistano da era Vargas foi Luís Inácio de Anhaia Melo. O mais célebre, porém, foi Prestes Maia, nomeado por Adhemar de Barros, em 1938. Era da faixa etária dos modernistas -tinha 26 anos em 1922 - e entrou para história como legendário urbanista e planejador da expansão de São Paulo.

Prestes Maia governou a cidade por sete anos e meio. Foi, desde os tempos do barão de Duprat, o prefeito que mais tempo exerceu o poder. Depois dele, o mais longevo -olha só - foi Gilberto Kassab.

A bem da verdade, é preciso lembrar que, antes de Duprat, o primeiro governante da cidade a receber o título de prefeito foi Antônio da Silva Prado. Começou indicado como intendente, em 1899, e deixou o cargo em 1911 -doze anos depois de assumi-lo.

Era filho do barão de Iguape, personagem que teria recebido dom Pedro 1º na vila de São Paulo logo depois do brado da Independência. Foi responsável por importantes transformações, numa época em que o poder da classe endinheirada coincidia perfeitamente com o poder político.

Membro de uma rica família de cafeicultores, que se expandiu para outros ramos, Silva Prado procurou dar à nascente metrópole do ouro verde um jeito de cidade civilizada. Fez obras de aterramento de várzeas, promoveu o embelezamento, ajardinou e planejou edificações importantes, como o Theatro Municipal, inaugurado em setembro de 1911, meses depois de ele ter deixado a função.

Hoje São Paulo é a maior e mais complexa das cidades brasileiras. Um verdadeiro país, que cresceu velozmente. Tem população equivalente à da Bolívia e PIB comparável ao de Israel. Embora a expansão demográfica e migratória desacelere, a cidade já está integrada a uma mancha urbana de proporções assustadoras, com 20 milhões de pessoas.

Sou dos que pensam que as coisas estão melhorando. E também dos que sabem que ainda sobrevivem situações inaceitáveis.

Tive a oportunidade de conhecer, há duas semanas, a comunidade Futuro Melhor, na favela do Peri Alto, na zona norte. É de chorar. Os barracos são de uma precariedade que já não se imagina, dependurados sobre as águas oleosas e imundas de um córrego onde lixo plástico e orgânico flutuam com odor repulsivo. Nas vielas, a vida vive. Crianças passam em brincadeiras. Uns mano olham enviesado. A doidona ameaça, mas fala manso. E a líder comunitária, ali, firmona.

Todos os "imóveis" da comunidade usam energia elétrica fornecida pela Gatopaulo. A água também é desviada dos canos subterrâneos - e circula por uma engenhosa e precária rede de mangueiras de plástico.

Eletrodomésticos não faltam. Máquinas de lavar, geladeiras, TVs de tela plana, anteninhas satélite e um funk rolando na vitrola sem parar. E aquela casa podre. E aquele entorno inaceitável.

Ontem elegemos um novo prefeito. Daqui a quatro anos vou lembrar de visitar o Futuro Melhor.

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