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A falsa bênção de Mario Quintana

Como um apanhado de juras de amor equivocadamente atribuído ao poeta se transformou numa espécie de mantra em casórios moderninhos

ROBERTO DE OLIVEIRA DE SÃO PAULO

"Promete que fará sexo sem pudores, que fará filhos por amor e por vontade, e não porque é o que esperam de você..." Esse trecho do texto "Promessas Matrimoniais" vem causando burburinho e suspiros em casamentos.

É claro que nada disso acontece sob a tutela da igreja. Tratado como um poema, "Promessas" tornou-se uma espécie de mantra moderninho em oposição aos clássicos sermões dos padres.

Caiu nas graças daquela turma que não é chegada às celebrações tradicionais, geralmente casais jovens, de perfil, digamos, "descolado".

Nesses eventos, assim como em redes sociais, sites e blogs sobre casamentos, "Promessas Matrimoniais" costuma ser atribuído ao poeta Mario Quintana (1906-1994), mas não é dele.

Foi criado em maio de 1998 pela escritora e colunista gaúcha Martha Medeiros, 52. O texto faz parte do livro de crônicas "Montanha-Russa".

O casamento de Juliana Paes com o empresário Carlos Eduardo Baptista, no Rio, em setembro de 2008, ajudou a "bombar" "Promessas Matrimoniais" na web. Só que a autoria estava equivocada.

Erro dos sites de celebridades, de quem realizou o casamento ou dos pombinhos?

Pastor queridinho dos famosos, Luiz Longuini, que celebrou a união da atriz, conta que sempre soube que o texto "era do Mario Quintana". Ele diz que Juliana Paes não sabia quem era o autor. "Depois do casamento descobri, pelo sucesso na mídia, que é da Martha Medeiros."

Hoje, Juliana Paes jura que sempre soube que o texto era de Martha. "Gosto desse texto faz muitos anos. Muito antes de pensar em me casar."

Para a fotógrafa carioca Fabricia Soares, 36, o poema é "lindo". "Há uma grande discussão na internet sobre a autoria. Uns dizem que é do Quintana, outros dizem que é da Martha Medeiros", diz.

Durante a cerimônia de sua união com o fotógrafo Alexandre Marques, 42, a juíza bolou um texto que emocionou a todos, um "pot-pourri" de trechos que falavam dos noivos, suas manias e amores, e, de quebra, enxertava partes de "Promessas".

O ambiente era a tradicional confeitaria Colombo, no centro do Rio, em uma área reservada para um almoço com 12 convidados, entre amigos e parentes.

Fabricia não conhecia o texto, tampouco o autor.

A juíza de paz Lilah Wildhagen, 56, não incluiu no discurso a parte que trata de sexo. "Evito porque o Conselho de Ética pode vir em cima da gente", justifica. "Apesar de o sexo ser inerente ao casamento, não é mesmo?"

Às vésperas de celebrar 2.000 casamentos, Lilah conta que sempre usa trechos do texto nas cerimônias. "É uma forma de personalizar."

A juíza pinça partes do texto com base em respostas de um questionário com 32 perguntas aplicado aos noivos antes da cerimônia.

A autoria? Ela ignora. "É de um autor desconhecido. Na internet, dizem que é de Mario Quintana. Não é. Nem dele, nem da Martha Medeiros, nem de Carlos Drummond de Andrade. Apesar de a Martha ser genial", diz ela.

EFEITO COLATERAL

Segundo a professora Lucia Rebello, do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em toda a obra de Quintana "não existe nada sobre casamento, promessas matrimoniais e sermões". "Mesmo o estilo do texto não tem nada a ver com a poesia de Quintana."

Martha, a verdadeira autora, lembra que talvez a ideia de escrever a crônica tenha surgido quando ela foi a um casamento de uma amiga.

Antes de entrar com os tópicos iniciados com a palavra "promete", ela faz uma introdução na qual explica que "achava bonito o ritual do casamento na igreja, com seus vestidos brancos e tapetes vermelhos", mas que o sermão do padre lhe desagradava.

"Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe? [sic]' Acho simplista e um pouco fora da realidade. Dou aqui novas sugestões de sermões."

Segundo a escritora, há uma série de textos creditados a ela incorretamente e textos seus atribuídos a outras pessoas. "É uma chatice com a qual a gente tem que aprender a conviver", diz.

Martha considera "impressionante" o volume de créditos errados veiculados na internet. Cita nomes como Carlos Drummond de Andrade, Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector, que também costumam ser "vítimas" desse "troca-troca autoral".

"Confesso que não gosto, mas não dá para fazer disso uma cruzada. É um efeito colateral da internet", diz ela.

A escritora avisa que não gostaria de parecer "antipática", mas que preferiria ser lida só em seus livros e nos jornais. "Além de autoria trocada, colocam enxertos, dão outros finais às histórias, criam finais melosos."

Seja do poeta, seja da cronista, o que importa para esses casais é tentar cumprir as promessas. E ser feliz!


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