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OPINIÃO ECONÔMICA
Continuidade e mudança
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Entre 1984 e 1986 defendi a
idéia de que, após os tormentosos primeiros anos daquela década, a economia brasileira encontrava-se de novo preparada
para crescer. Primeiramente, porque os resultados alcançados pelo
2º PND (Segundo Plano Nacional
de Desenvolvimento) haviam dotado o país de uma estrutura industrial robusta e atualizada.
Além disso, porque a desvalorização de fevereiro de 1983 reforçava
o direcionamento das empresas
para as exportações e a substituição de importações. Por último,
mas também importante, porque
o estado das finanças públicas já
havia sofrido substancial correção. Na sequência então visualizada, o saldo comercial acionaria
a retomada do crescimento e o
próprio crescimento criaria condições favoráveis à manutenção
da inflação sob controle.
Os resultados obtidos pela economia brasileira de 1984 ao primeiro trimestre de 1987 confirmavam a hipótese por nós defendida,
inicialmente recebida com bastante surpresa e muita hostilidade. A economia voltara a crescer
ao seu ritmo histórico, próximo a
7% ao ano, levando o ministro
Funaro a anunciar um crescimento japonês (outros eram os
tempos) e uma inflação suíça.
Mas a macroeconomia do Plano Cruzado logo revelou sua fragilidade. E, do colapso do Cruzado em diante, o quadro desandou
por completo. O aparelho produtivo do país, recentemente revigorado, mantinha-se intacto, mas a
turbulência macroeconômica paralisava as decisões e incentivava
a especulação, levando o país, por
fim, à moratória. A década terminaria com um ministro pedindo
aos agentes econômicos que "não
fizessem marola"... Havíamos
atingido a cota zero da esperança
e da auto-estima. Seguiram-se 12
anos de muitas mudanças e crescimento quase nulo.
Relembrar esse triste passado é
importante num momento em
que se volta a discutir a retomada
do crescimento. Houve uma nova
e positiva mutação do lado da
oferta (de natureza totalmente
diversa da verificada na segunda
metade dos anos 1970) e, sobretudo, ocorreram grandes avanços
do ponto de vista macroeconômico. Infelizmente, contudo, mais
uma vez não faltam ameaças.
Desta vez, vai? Esta é, sem dúvida,
uma questão central.
Para quem pretenda pensar a
esse respeito, um cuidado preliminar consiste em não repetir o
equívoco por mim cometido em
1984/6. Explico-me.
De 1971 em diante, o capitalismo tornou-se mais instável, o que
veio a acentuar-se, ainda mais,
nos anos 90. Em tais condições,
quem avalie as chances de crescer
de uma economia, a partir do estado de suas forças produtivas
-ou da competitividade alcançada por suas empresas (com
uma determinada taxa de cambio)-, corre o risco de errar feio.
A macroeconomia adquiriu poder de veto sobre o crescimento.
Isso é verdade até mesmo para a
França, a Inglaterra, a Suécia e o
Japão, como tem sido abundantemente comprovado nos últimos
20 anos. Com muito mais razão,
isso passou a ser a dura realidade
enfrentada pelas economias retardatárias -sobretudo aquelas
que se permitiram acumular
grandes dívidas.
Já houve um tempo em que o
ministro da Fazenda que propusesse deter o crescimento da economia era ejetado do poder. Isso
aconteceu com Gudin, com Lucas
Lopes e com Simonsen. Agora
não. Uma macroeconomia vista
como bem comportada (e não há,
aqui, regras universais) tornou-se
precondição absoluta do crescimento. Assim sendo, não faz mais
sentido esperar que o próprio
crescimento permita (como no
passado) solucionar problemas
de natureza macroeconômica.
E aqui entra a democracia. Ela
permite o surgimento e o fortalecimento de partidos e tendências
que desenvolvem visões críticas
acerca da condução dos problemas. É bem verdade que o fortalecimento da oposição pode, por algum tempo, dificultar a tomada
de decisões. Mas tende também a
evitar que a insatisfação extravase, assumindo formas violentas.
E, sobretudo, facilita a transferência do poder para novos forças,
capazes de renovar as esperanças.
Essas são certamente necessárias,
ali onde há que insistir no que está dando certo (ainda quando os
frutos custem a aparecer) e, ao
mesmo tempo, que ensaiar novas
soluções.
Segundo Dani Rodrik, em excelente trabalho apresentado na
conferência sobre "Developing
Economies in the 21th Century"
(Japão, janeiro de 2000), a flexibilidade assegurada pela democracia à Malásia e à Coréia revelou-se fundamental na combinação
de continuidade e mudança que
marcou a reação desses países à
traumática crise asiática de 1997.
Feliz 2003.
Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
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